Mauro Ferreira no G1

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domingo, 21 de julho de 2013

Quente em cena, Ellen Oléria reitera personalidade forte com voz e com suor

Resenha de show
Título: Ellen Oléria
Artista: Ellen Oléria (em foto de Rodrigo Goffredo)
Local: Studio RJ (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 19 de julho de 2013
Cotação: * * * *

 "Sou quente", ressaltou Ellen Oléria no palco do Studio RJ através de verso de Cuba (Otto e Chorão, 2011), uma das 18 músicas incluídas pela cantora e compositora de Brasília (DF) no roteiro do show de lançamento do terceiro disco. Enquanto dava voz e suingue black aos versos "Sou quente, sou quente / Quente, quente, quente / Sorridente até os dentes", cantados pelo pernambucano Otto no álbum Condom black (Trama, 2001), Oléria enxugou o suor do rosto em gesto teatral. Um jogo de cena desta cantora no show que chegou ao Rio de Janeiro (RJ) na noite de sexta-feira, 19 de julho de 2013, com roteiro baseado no recém-lançado terceiro CD da artista, Ellen Oléria (Universal Music, 2013). Projetada em escala nacional a partir da vitoriosa participação na primeira temporada do programa The Voice (TV Globo, 2012), Ellen Oléria mostrou neste primeiro disco de repercussão - os anteriores Peça (2009) e Ao vivo no Garagem! (2011), este assinado com o grupo Pret.utu, tiveram visibilidade restrita à cena black frequentada pela artista - ser mais do que uma voz. Por trazer gravações de músicas conhecidas como Taj Mahal (Jorge Ben Jor, 1972), sucesso que encerra o show, o CD Ellen Oléria acena para a massa que virou fã da cantora na atração global, versão repaginada dos velhos programas de calouros. Contudo, ao mesmo tempo, o disco reitera a personalidade de Oléria - cantora que descende da nobre linhagem funk / soul nacional, flertando naturalmente com o rap na efervescente Testando (Ellen Oléria, 2009) - através dos temas autorais da artista, que investe na produção como compositora desde o primeiro disco. Em cena, a voz e o suor foram postos a serviço do suingue de músicas como a vibrante Mudernage (Ellen Oléria, Emicida e Adalvêncio Oléria, 2011), tema inspirado pelas críticas do pai da cantora a uma apresentação da filha. O show confirmou as qualidades de Oléria. Balada de espírito soul lançada pela cantora no disco Peça, regravada no CD/DVD Ao vivo no Garagem! e registrada pela terceira vez no álbum Ellen Oléria, Não lugar (Ellen Oléria, 2009) se destacou na produção autoral da compositora. E, claro, está no show. "Vamos falar de amor", avisou Oléria em cena, antes de entoar a canção. Córrego rico (Ellen Oléria, 2013) é outra boa balada presente no roteiro e, tal como no disco, evocou de imediato o estilo bucólico de algumas músicas cantadas por Maria Gadú. No entanto, é como intérprete que Oléria mais se agigantou em cena. Sob a direção do guitarrista Pedro Martins, um dos integrantes da banda Pret.utu, a cantora se revelou grande com voz que fez ressoar o canto dos ancestrais africanos. Além da intimidade com a Música Preta Brasileira, termo cunhado pela antecessora Sandra de Sá, Ellen Oléria é cantora que domina a cena. Quando refez o roteiro cinematográfico da tropicalista Domingo no parque (Gilberto Gil, 1967), no toque do pandeiro e na cadência das programações pilotadas pelo tecladista Felipe Viegas, a cantora foi senhora absoluta dessa cena. A abordagem de Domingo no parque - linkada no roteiro com outra música antenada de Gilberto Gil, Parabolicamará (1992) - é exemplo da personalidade forte de Ellen Oléria como intérprete. Ela não dá voz a músicas alheias como cantora de barzinho. Há alma e verdade no canto da artista, como ficou evidenciado no arranjo eletrônico que afiou Fé cega, faca amolada (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1974) na abertura do show. É por isso que Zumbi (Jorge Ben Jor, 1973) - música que já frequentava o repertório de Oléria antes do The Voice - soou tão pungente na abertura do bis. A luta é árdua, mas Oléria é dura na queda, como ressaltou através dos versos resistentes de Caxangá (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1977). "Quem não é sincero sai da brincadeira correndo / ... / Em tudo é o mesmo suor", ressaltou por meio dos versos de Brant. Sincero, o canto de Ellen Oléria se recusa a ser nuvem passageira. Talvez Oléria até volte para o gueto, mas de cabeça erguida, com uma certa magia, sem ter negado no disco e show a força da própria raça.

4 comentários:

Mauro Ferreira disse...

"Sou quente", ressalta Ellen Oléria no palco do Studio RJ através de verso de Cuba (Otto e Chorão, 2011), uma das 18 músicas incluídas pela cantora e compositora de Brasília (DF) no roteiro do show de lançamento de seu terceiro disco. Enquanto dá voz com seu suingue black aos versos "Sou quente, sou quente / Quente, quente, quente / Sorridente até os dentes", cantados pelo pernambucano Otto em seu álbum Condom Black (2001), Oléria enxuga o suor do rosto em gesto teatral. Um jogo de cena desta cantora que chegou ao Rio de Janeiro (RJ) na noite de sexta-feira, 19 de julho de 2013, com o show baseado em seu recém-lançado terceiro CD, Ellen Oléria (Universal Music). Projetada em escala nacional a partir de sua vitoriosa participação na primeira temporada do programa The Voice (TV Globo), Ellen Oléria mostrou neste primeiro disco de repercussão - os anteriores Peça (2009) e Ao vivo no Garagem! (2011) tiveram visibilidade restrita à cena black frequentada pela artista - ser mais do que uma voz. Por trazer gravações de músicas conhecidas como Taj Mahal (Jorge Ben Jor, 1972), sucesso que encerra o show, o CD Ellen Oléria acena para a massa que virou fã da cantora na atração global, versão repaginada dos velhos programas de calouros. Contudo, ao mesmo tempo, o disco reitera a personalidade de Oléria - cantora que descende da nobre linhagem funk / soul nacional, flertando naturalmente com o rap na efervescente Testando (Ellen Oléria, 2009) - através dos temas autorais da artista, que investe na sua produção como compositora desde o primeiro disco. Em cena, a voz e o suor são postos a serviço do suingue de músicas como a vibrante Mudernage (Ellen Oléria, Emicida e Adalvêncio Oléria, 2011), tema inspirado pelas críticas do pai da cantora a uma apresentação da filha. O show confirma as qualidades de Oléria. Balada de espírito soul lançada pela cantora no disco Peça, regravada no CD/DVD Ao vivo no Garagem! e registrada pela terceira vez no álbum Ellen Oléria, Não lugar (Ellen Oléria, 2009) se destaca na produção autoral da compositora. E, claro, está no show. "Vamos falar de amor", diz Oléria em cena, antes de entoar a canção. Córrego rico (Ellen Oléria, 2013) é outra boa balada presente no roteiro e, tal como no disco, evoca de imediato o estilo bucólico de algumas músicas cantadas por Maria Gadú. No entanto, é como intérprete que Oléria mais se agiganta em cena. Sob a direção do guitarrista Pedro Martins, um dos integrantes da banda Pretutu, a cantora se revela grande com sua voz que faz ressoar o canto de seus ancestrais africanos. Além da intimidade com a Música Preta Brasileira, termo cunhado por sua antecessora Sandra de Sá, Ellen Oléria é cantora que domina a cena. Quando refaz o roteiro cinematográfico da tropicalista Domingo no parque (Gilberto Gil, 1967), no toque de seu pandeiro e na cadência das programações pilotadas pelo tecladista Felipe Viegas, a cantora é senhora absoluta dessa cena. A abordagem de Domingo no parque - linkada no roteiro com outra música antenada de Gilberto Gil, Parabolicamará (1992) - é exemplo da personalidade forte de Ellen Oléria como intérprete. Ela não dá voz a músicas alheias como cantora de barzinho. Há alma e verdade no seu canto, como já fica evidenciado no arranjo eletrônico que afia Fé cega, faca amolada (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1974) na abertura do show. É por isso que Zumbi (Jorge Ben Jor, 1974) - música que já frequentava o repertório de Oléria antes do The Voice - soa tão pungente na abertura do bis. A luta é árdua, mas Oléria é dura na queda, como ressalta através dos versos resistentes de Caxangá (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1974). "Quem não é sincero sai da brincadeira correndo / ... / Em tudo é o mesmo suor", avisa por meio dos versos de Brant. Sincero, o canto de Ellen Oléria se recusa a ser nuvem passageira. Talvez Oléria até volte para o gueto, mas de cabeça erguida.

Antenor Leopoldino disse...

Mauro, você implicou mesmo com Nuvem Passageira, rsrs Abraço

Sandro Mendes disse...

Embora passageira. Essa "nuvem" já foi gravada por André Abujamra na sua fase "Karnak". "A bossa nova é foda" e essa nuvem que não é assim tão passageira como se pode ver e ouvir é mais foda ainda. Gostei!

ADEMAR AMANCIO disse...

Gostei do termo "Cantora de barzinho";no Brasil tem muitas.