Mauro Ferreira no G1

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sábado, 8 de fevereiro de 2014

Sem correr perigo, Ana joga suas certezas e libido na pista do show '#AC'

Resenha de show
Título: #AC
Artista: Ana Carolina (em foto de Rodrigo Amaral)
Local: Citibank Hall (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 7 de fevereiro de 2014
Cotação: * * *
Agenda da turnê nacional do show #AC:
8 de fevereiro de 2014 - Rio de Janeiro (RJ) - Citibank Hall 
21 de março de 2014 - Porto Alegre (RS) - Auditório Araújo Vianna
22 de março de 2014 - Florrianópolis (SC) - Square Music

O arremate de #AC - show recém-estreado por Ana Carolina - é tão sintomático quanto contraditório. Ao voltar para o bis, a artista mineira dá voz a Eu sei que vou te amar (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1959) - com arranjo ambientado em clima de samba-canção - e à controvertida É isso aí (The blower's daughter) (Damien Rice, 2002, em versão em português de Ana Carolina e Seu Jorge, 2005), número final em que entra em cena a costumeira cortina de cenários de shows já dirigidos por Monique Gardenberg. A contradição desse bis anticlimático reside no fato de #AC ser em tese um show de pista, calcado em mix de sexo e eletrônica. No caso, a eletrônica do DJ baiano Mikael Mutti, arquiteto da percussão sintetizada a partir de controles de vídeo games, dos scratches e dos efeitos que pontuam os arranjos de músicas recentes e antigas. Tal como o homônimo álbum de 2013 que lhe deu origem, o show #AC é pautado pelo groove de músicas dançantes. Ana Carolina joga na pista suas certezas e sua libido. Só que Ana é também, e sobretudo, uma arquiteta de baladas de tonalidade pop(ular) - baladas criadas, em sua maioria, com o inicial parceiro gaúcho Totonho Villeroy. Essa artesã de canções melodiosas - também uma intérprete sagaz dessas canções, as próprias e as alheias - teima em invadir a pista supostamente fervida de #AC, se impondo na cena emoldurada com vídeos que exploram a libido. Sim, a libido está em quase toda parte de #AC. Só que a tal contradição - que reforça o caráter sintomático do terno bis - é que a temperatura do show fica mais elevada quando Ana lança mão de suas canções mais amenas. O medley com três músicas do último disco realmente sedutor da cantora e compositora, Estampado (BMG, 2003), surte efeito mais caloroso do que o set inicial que enfileira músicas como Pole dance (Ana Carolina e Edu Krieger, 2013), de quentura que, no palco, soa artificial e calculada como a temperatura de um micro-ondas. Agregadas nesse medleyNua (Ana Carolina e Vitor Ramil, 2003), Pra rua me levar (Ana Carolina e Totonho Villeroy, 2001) - desde sempre melhor na voz de Ana do que na de Maria Bethânia, intérprete da gravação original de 2001 - e a roqueira Uma louca tempestade (Bebeto Alves e Totonho Villeroy, 2003) são sucessos de uma artista até então menos atenta para a fórmula do sucesso e para as suas certezas do que pode ser sucesso junto ao seu público fiel e tão inflamado quanto o seu canto. 

É também sintomático que o número de maior magnetismo do roteiro seja Coração selvagem, canção do cearense Belchior que se ajusta com perfeição ao canto intenso de Ana pelo tom passional da letra que tem o verso "Beba um refrigerante, coma um cachorro quente" alterado por "Beba um refrigerante, depois do meu beijo quente". Nesse momento em que o show atinge seu pico máximo de sedução, até os acordes do baixo de Edu Krieger e da guitarra de Pedro Baby são mais econômicos para pôr em primeiro plano o canto da artista. Há na eletrizante interpretação de Coração selvagem a alma que, sorrateira, sai da pista quando a cantora se embrenha pelas trilhas eletrônicas de Bang bang 2 (Ana Carolina e Rodrigo Pitta, 2013), uma das músicas do álbum #AC. Nesse sentido, o show é fiel ao disco - ainda que, com Ana Carolina, tudo soe mais intenso e exacerbado no palco. A direção de Monique Gardenberg faz com que o show transcorra com fluência, criando momentos de beleza plástica. Um deles é quando Ana canta o tango eletrônico Mais forte (Ana Carolina, Chiara Civello e Bungaro, 2013) - obviamente alocado no roteiro ao lado do similar Dez minutos (Ana Carolina e Chiara Civello, 2009) - enquanto um vídeo projeta imagens de dois homens dançando no passo passional do ritmo argentino. Gardenberg talvez tenha contribuído também ao incentivar Ana a sair de seu trilho autoral, dando voz, em tempo de delicadeza pop, a Fire, canção de Bruce Springsteen mais conhecida nas vozes femininas do grupo norte-americano The Pointer Sisters. De todo modo, Fire soa com menor espontaneidade no roteiro do que o mash-up que junta Piriguete - reggaeton do cantor belga (de criação mineira) MC Papo que fez sucesso nacional ao cair na rede em 2012 - com o simplório tema forrozeiro Você não vale nada (Dorgival Dantas, 2005), sucesso nacional na gravação do industrializado grupo sergipano Calcinha Preta. 

Bamba no toque do pandeiro, a artista dedica um número ao instrumento, formando quarteto com o DJ Mikael Mutti, o baixista Edu Krieger e o baterista e percussionista Leo Reis, virtuoses da banda que inclui também o tecladista Carlos Trilha. O breve set instrumental no pandeiro já é tão esperado nos shows da artista quanto o irresistível samba Cabide (2005), fornecido pela compositora para Mart'nália. Enfim, Ana Carolina - que, além de cantar, se reveza em cena na guitarra e no violão (mais na primeira do que no segundo,diga-se) - completa 15 anos de sucesso em 2014 já entronizada no posto de uma das cantoras mais populares de sua geração. #AC, o show, pouco vai surpreender quem já ouviu o disco #AC e quem tem ciência das possibilidades da artista. Provável contribuição da diretora Monique Gardenberg, a inclusão de Coração selvagem no roteiro é o instante que vai ficar na memória de quem assistir ao show pela interpretação da cantora. Tomara que Ana Carolina entenda os versos de Belchior e, sem medo de correr (real) perigo, deixe certezas de lado, arriscando tudo de novo com paixão. A libido está em toda parte, sim, mas o mundo inteiro pode estar numa estrada ali em frente...

6 comentários:

Mauro Ferreira disse...

O arremate de #AC - show recém-estreado por Ana Carolina - é tão sintomático quanto contraditório. Ao voltar para o bis, a artista mineira dá voz a Eu sei que vou te amar (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1959) - com arranjo ambientado em clima de samba-canção - e à controvertida É isso aí (The blower's daughter) (Damien Rice, 2002, em versão em português de Ana Carolina e Seu Jorge, 2005), número final em que entra em cena a costumeira cortina de cenários de shows já dirigidos por Monique Gardenberg. A contradição desse bis anticlimático reside no fato de #AC ser em tese um show de pista, calcado em mix de sexo e eletrônica. No caso, a eletrônica do DJ Mikael Mutti, arquiteto da percussão sintetizada a partir de controles de vídeo games, dos scratches e dos efeitos que pontuam os arranjos de músicas recentes e antigas. Tal como o homônimo álbum de 2013 que lhe deu origem, o show #AC é pautado pelo groove de músicas dançantes. Ana Carolina joga na pista suas certezas e sua libido. Só que Ana é também, e sobretudo, uma arquiteta de baladas de tonalidade pop(ular) - baladas criadas, em sua maioria, com o parceiro gaúcho Totonho Villeroy. Essa artesã de canções melodiosas - também uma intérprete sagaz dessas canções, as próprias e as alheias - teima em invadir a pista supostamente fervida de #AC, se impondo na cena emoldurada com vídeos que exploram a libido. Sim, a libido está em quase toda parte de #AC. Só que a tal contradição - que reforça o caráter sintomático do terno bis - é que a temperatura do show fica mais elevada quando Ana lança mão de suas canções mais amenas. O medley com três músicas do último disco realmente sedutor da cantora e compositora, Estampado (BMG, 2003), surte efeito mais caloroso do que o set inicial que enfileira músicas como Pole dance (Ana Carolina e Edu Krieger, 2013), de quentura que, no palco, soa artificial e calculada como a temperatura de um micro-ondas. Agregadas nesse medley, Nua (Ana Carolina e Vitor Ramil, 2003), Pra rua me levar (Ana Carolina e Totonho Villeroy, 2001) - desde sempre melhor na voz de Ana do que na de Maria Bethânia, intérprete da gravação original de 2001 - e a roqueira Uma louca tempestade (Bebeto Alves e Totonho Villeroy, 2003) são sucessos de uma artista até então menos atenta para a fórmula do sucesso e para as suas certezas do que pode ser sucesso junto ao seu público fiel e tão inflamado quanto o seu canto.

Mauro Ferreira disse...

É também sintomático que o número de maior magnetismo do roteiro seja Coração selvagem, canção do cearense Belchior que se ajusta com perfeição ao canto intenso de Ana pelo tom passional da letra que tem o verso "Beba um refrigerante, coma um cachorro quente" alterado por "Beba um refrigerante, depois do meu beijo quente". Nesse momento em que o show atinge seu pico máximo de sedução, até os acordes do baixo de Edu Krieger e da guitarra de Pedro Baby são mais econômicos para pôr em primeiro plano o canto da artista. Há na eletrizante interpretação de Coração selvagem a alma que, sorrateira, sai da pista quando a cantora se embrenha pelas trilhas eletrônicas de Bang bang 2 (Ana Carolina e Rodrigo Pitta, 2013), uma das músicas do álbum #AC. Nesse sentido, o show é fiel ao disco - ainda que, com Ana Carolina, tudo soe mais intenso e exacerbado no palco. A direção de Monique Gardenberg faz com que o show transcorra com fluência, criando momentos de beleza plástica. Um deles é quando Ana canta o tango eletrônico Mais forte (Ana Carolina, Chiara Civello e Bungaro, 2013) - obviamente alocado no roteiro ao lado do similar Dez minutos (Ana Carolina e Chiara Civello, 2009) - enquanto um vídeo projeta imagens de dois homens dançando no passo passional do ritmo argentino. Gardenberg talvez tenha contribuído também ao incentivar Ana a sair de seu trilho autoral, dando voz, em tempo de delicadeza pop, a Fire, canção de Bruce Springsteen mais conhecida nas vozes femininas do grupo norte-americano The Pointer Sisters. De todo modo, Fire soa com menor espontaneidade no roteiro do que o mash-up que junta Piriguete - reggaeton do cantor belga (de criação mineira) MC Papo que fez sucesso nacional ao cair na rede em 2012 - com o simplório tema forrozeiro Você não vale nada (Dorgival Dantas, 2005), sucesso nacional na gravação do industrializado grupo sergipano Calcinha Preta.

Mauro Ferreira disse...

Bamba no toque do pandeiro, a artista dedica um número ao instrumento, formando quarteto com o DJ Mikael Mutti, o baixista Edu Krieger e o baterista e percussionista Leo Reis, virtuoses da banda que inclui também o tecladista Carlos Trilha. O breve set instrumental no pandeiro já é tão esperado nos shows da artista quanto o irresistível samba Cabide (2005), fornecido pela compositora para Mart'nália. Enfim, Ana Carolina - que, além de cantar, se reveza em cena na guitarra e no violão (mais na primeira do que no segundo,diga-se) - completa 15 anos de sucesso em 2014 já entronizada no posto de uma das cantoras mais populares de sua geração. #AC, o show, pouco vai surpreender quem já ouviu o disco #AC e quem tem ciência das possibilidades da artista. Provável contribuição da diretora Monique Gardenberg, a inclusão de Coração selvagem no roteiro é o instante que vai ficar na memória de quem assistir ao show pela interpretação da cantora. Tomara que Ana Carolina entenda os versos de Belchior e, sem medo de correr (real) perigo, deixe certezas de lado, arriscando tudo de novo com paixão. A libido está em toda parte, sim, mas o mundo inteiro pode estar numa estrada ali em frente...

Anônimo disse...

Acho que Ana quer ser uma cantora e compositora popular, apenas isso, o que é legítimo. Poderia ser bem mais, mas se é esse o barato e se ela lucra com isso, que assim seja.

Rhenan Soares disse...

Perfeito, Mauro!!! Eu espero que desperte algo na Ana quando ela fizer a leitura do seu texto.

A estruturação dos shows da Ana tem sido feita da mesma maneira desde "Estampado", com algum ensaio de mudança no maravilhoso "N9ve", dirigido pela Bia Lessa. "#AC - O show" é um espetáculo incrível. Bem produzido e executado, mas não foge de nada que Ana já não tenha feito.

Acho a parceria com a Monique completamente desgastada, desde o "N9ve + 1". Uma diretora brilhante, mas que não parece ter interesse pela obra da Ana - a despeito de os melhores momentos de #AC serem sugestões de Monique (Fire, Coração Valente, clipes...

É um pouco desesperador conhecer a enorme extensão de possibilidades que Ana é capaz de realizar e ver apenas o básico em cena.

Bem, são 15 anos de uma carreira absolutamente bem sucedida, da forma como foi conduzida, mas eu também espero que Ana se arrisque ao perigo de novas possibilidades, para deixar de temer "o tempo passando sobre as coisas", como me disse há alguns anos.

Ana quer mostrar sempre o melhor, e tenho certeza que isso ajudou sua biografia, mas não pode achar que o melhor está sempre com "os melhores" (de acordo com os segundos cadernos, rs)...

anônimo disse...

ótima crítica Mauro, para bom entendedor.... Fico até triste ouvindo a linda interpretação de "Se eu não te amasse tanto assim" e depois algumas das músicas de seus álbuns, que diga-se de passagem, não ouço á um bom tempo...