Mauro Ferreira no G1

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terça-feira, 27 de novembro de 2012

Daúde evoca a ancestralidade africana em show feito na pressão (eletrônica)

Resenha de show
Evento: Back2Black
Título: Daúde
Artista: Daúde (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Estação Leopoldina (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 25 de novembro de 2012
Cotação: * * * 1/2

 É sintomático que Daúde tenha aberto seu show no festival Back2Black com música de Jorge Ben Jor - Crioula, lançada no consagrador álbum de 1969 que trouxe País tropical e Charles anjo 45 - que descreva linda dama negra descendente de nobres africanos que por descuido geográfico nasceu no Brasil. De volta à cena com moderno porte de rainha africana, a cantora baiana - radicada no Rio de Janeiro (RJ) - talvez tenha sido a mais perfeita tradução da negritude pop brasileira na programação do festival idealizado para propagar sons negros de diversos sotaques e latitudes. Mesmo prejudicada pela acústica deficiente da ambiência ao ar livre do Palco Petrobrás, que acentuou o desnível do som (baixo) de seu microfone em relação aos instrumentos da banda, a cantora volta à cena com bom show, feito na pressão, dada pela interação uniforme das programações eletrônicas com a guitarra de César Bottinha, imponente na banda. Ao longo de 13 números, o coeso roteiro conciliou músicas incluídas no vindouro quarto álbum da cantora - Código Daúde, com lançamento previsto para 2013 - com temas gravados pela artista em seus três CDs anteriores, evocando a ancestralidade afro-brasileira com sons contemporâneos. O alinhamento de músicas como Pata pata (Miriam Makeba e Jerry Ragovoy, 1957) - sucesso mundial em 1967 na voz da cantora sul-africana Miriam Makeba (1932 - 2008) - e Véu Vavá (Celso Fonseca e Carlinhos Brown, 1995) - sublinhou o tributo à negritude e à dinastia da linda dama negra, que destilou estilosa o veneno de Naja, tema de Paulinho Camafeu, compositor baiano identificado com as tradições da cultura afro-brasileira. Com energia, a elétrica e performática Daúde manteve a pressão do show, na alta velocidade exigida por músicas como o coco de embolada Quatro meninas (tema de domínio público que ela adaptou e gravou em 1995), Lavanda (Carlinhos Brown, 1997) e de Ah! (Luiz Tatit). Parafraseando verso do tema de Tatit, de 1981, a palavra musical de Daúde quase sempre soa carregada de sentido. Mesmo que esse sentido seja de natureza particular quando a cantora revive um mambo cubano imortalizado no Brasil  na voz luminosa de Ângela Maria, Babalu (Margarita Lecuona, 1939), reminiscência de sua memória afetiva. Na necessária apropriação de músicas alheias, Daúde - intérprete de personalidade forte - às vezes até peca pela radical desconstrução da moldura rítmica original. Na pressão do show, Cala boca, menino (Dorival Caymmi, 1973) é capaz de silenciar admiradores mais ortodoxos da obra de Caymmi. Contudo, palavras e sons vão fazendo sentido ao longo da apresentação. O suingue nortista reforça a arquitetura sedutora de Casa caiada (Léo Bit Bit, Alain Tavares e Boghan, 1997), destaque do show, momento mais orgânico e nem por isso menos fervido. Se mar e sertão se reviram na estranha pegada eletrônica de Sobradinho (Luiz Carlos Sá e Guarabyra, 1977), a deliciosa Eu não vou mais (Orlandivo e Durval Ferreira, 1966) - pérola rara extraída da discografia do rei dos bailes Ed Lincoln (1932 - 2012) - decifra ao fim parte do Código Daúde, vindouro disco de estúdio que promete recolocar Daúde sob os holofotes em 2013. E o fato de (longa) década separar o quarto álbum da cantora do anterior, Neguinha te amo (Real World / EMI Music, 2003), sinaliza que a antenada dama negra do suingue pode ter nascido no Brasil por um mero descuido geográfico-musical. Se assim foi, a sorte foi do Brasil!

2 comentários:

Mauro Ferreira disse...

É sintomático que Daúde tenha aberto seu show no festival Back2Black com música de Jorge Ben Jor - Crioula, lançada no consagrador álbum de 1969 que trouxe País Tropical e Charles Anjo 45 - que descreva linda dama negra descendente de nobres africanos que por descuido geográfico nasceu no Brasil. De volta à cena com moderno porte de rainha africana, a cantora baiana - radicada no Rio de Janeiro (RJ) - talvez tenha sido a mais perfeita tradução da negritude pop brasileira na programação do festival idealizado para propagar sons negros de diversos sotaques e latitudes. Mesmo prejudicada pela acústica deficiente da ambiência ao ar livre do Palco Petrobrás, que acentuou o desnível do som (baixo) de seu microfone em relação aos instrumentos da banda, a cantora volta à cena com bom show, feito na pressão, dada pela interação uniforme das programações eletrônicas com a guitarra de César Bottinha, imponente na banda. Ao longo de 13 números, o coeso roteiro conciliou músicas incluídas no vindouro quarto álbum da cantora - Código Daúde, com lançamento previsto para 2013 - com temas gravados pela artista em seus três CDs anteriores, evocando a ancestralidade afro-brasileira com sons contemporâneos. O alinhamento de músicas como Pata Pata (Miriam Makeba e Jerry Ragovoy, 1957) - sucesso mundial em 1967 na voz da cantora sul-africana Miriam Makeba (1932 - 2008) - e Véu Vavá (Celso Fonseca e Carlinhos Brown, 1995) - sublinhou a ode à negritude e à dinastia da linda dama negra, que destilou estilosa o veneno de Naja, tema de Paulinho Camafeu, compositor baiano identificado com as tradições da cultura afro-brasileira. Com energia, a elétrica e performática Daúde manteve a pressão do show, na velocidade exigida por músicas como o coco de embolada Quatro Meninas (tema de domínio público que ela adaptou e gravou em 1995), Lavanda (Carlinhos Brown, 1997) e de Ah! (Luiz Tatit). Parafraseando verso do tema de Tatit, a palavra musical de Daúde quase sempre soa carregada de sentido. Mesmo que esse sentido seja de natureza particular quando a cantora revive um mambo cubano imortalizado no Brasil na voz luminosa de Ângela Maria, Babalu (Margarita Lecuona, 1939), reminiscência de sua memória afetiva. Na necessária apropriação de músicas alheias, Daúde - intérprete de personalidade forte - às vezes até peca pela radical desconstrução da moldura rítmica original. Na pressão do show, Cala Boca, Menino (Dorival Caymmi, 1973) é capaz de silenciar admiradores mais ortodoxos da obra de Caymmi. Contudo, palavras e sons vão fazendo sentido ao longo da apresentação. O suingue nortista reforça a arquitetura sedutora de Casa Caiada (Léo Bit Bit, Alain Tavares e Boghan, 1997), destaque do show, momento mais orgânico e nem por isso menos fervido. Se mar e sertão se reviram na estranha pegada eletrônica de Sobradinho (Luiz Carlos Sá e Guarabyra, 1977), a deliciosa Eu Não Vou Mais (Orlandivo e Durval Ferreira, 1966) - pérola rara extraída da discografia do rei dos bailes Ed Lincoln (1932 - 2012) - decifra ao fim parte do Código Daúde, vindouro disco de estúdio que promete recolocar Daúde sob os holofotes em 2013. E o fato de (longa) década separar o quarto álbum da cantora do anterior, Te Amo Neguinha (Real World / EMI Music, 2003), sinaliza que a antenada dama negra pode ter nascido no Brasil por descuido geográfico.

Insensato Mundo disse...

Mauro, uma pequena correção: no caso da canção do Jorge Ben Jor a grafia que está no disco é "Criola", sem o U.