Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


domingo, 6 de abril de 2014

Show 'Gilbertos samba' expande com sutilezas o diálogo de Gil com João

Resenha de show
Título: Gilbertos samba
Artista: Gilberto Gil (em foto de Rodrigo Amaral)
Local: Theatro Net Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 4 de abril de 2014
Cotação: * * * * 1/2
Agenda da turnê nacional do show Gilbertos samba:
* Rio de Janeiro (RJ) - 5, 6, 11 e 12 de abril de 2014 no Theatro Net Rio
* Salvador (BA) - 16 e 17 de maio de 2014 no Teatro Castro Alves
* Recife (PE) - 21 e 22 de maio de 2014 no Teatro Shopping Rio Mar
* Natal (RN) - 23 de maio de 2014 no Teatro Riachuelo
* São Paulo (SP) - 19 e 20 de julho de 2014 no Teatro Shopping Vila Olímpia
* Belo Horizonte (MG) - 6 e 7 de setembro no Palácio das Artes
* Porto Alegre (RS) - 19 de setembro de 2014 no Teatro do Bourbon Country
* Novo Hamburgo (RS) - 20 de setembro de 2014 no Teatro Feevale

É no bis do show Gilbertos samba que Gilberto Gil enfatiza a rota geográfica de seu som ao alocar Eu vim da Bahia (Gilberto Gil, 1965) - samba seminal que já explicita no título a origem geográfica do cantor, compositor e músico baiano - bem ao lado da apoteótica lembrança de Aquele abraço (Gilberto Gil, 1969), samba em que endereça exaltação à cidade do Rio de Janeiro (RJ) aos mestres baianos Dorival Caymmi (1914 - 2008) e João Gilberto. Os dois sambas do significativo bis amarram os fios da meada de show que expande, com sutilezas, o diálogo travado por Gil com João no CD Gilbertos samba, lançado neste mesmo mês de abril de 2014 em que o show ganha a estrada em turnê nacional que teve seu ponto de partida no Rio de Janeiro, em 4 de abril, em apresentação para convidados do evento que festejou os dois anos de vida do Theatro Net Rio. No disco, produzido por Bem Gil e Moreno Veloso, Gil sustenta a leveza de João - sem jamais cair na tentação de imitar o mestre inimitável - ao harmonizar seu violão com a percussão contemporânea de Domenico Lancellotti. O show roça a perfeição do disco. A ausência de Pedro Sá - cuja guitarra posta na regravação de Desafinado (Antonio Carlos Jobim e Newton Mendonça, 1959) é a cereja do bolo de massa leve -  é sentida, embora Bem Gil insira em cena, nesse número, ruídos e efeitos que simulam a interferência sublime da guitarra de Sá neste samba-hino que ironiza ouvidos incapazes de entender o comportamento absolutamente musical da Bossa Nova. Com a postura zen de um buda nagô, Gil aciona sua máquina de ritmos para saudar João em roteiro que transita com desenvoltura entre Rio e Bahia. No show, Gil vai além do repertório do disco sem obviedade, ainda que Rosa Morena - samba do recorrente Dorival Caymmi,  lançado em 1942 pelos Anjos do Inferno, conjunto vocal carioca adorado por João Gilberto - soe como natural e saborosa novidade de show que, tal como o disco, passa muitas vezes por Caymmi para chegar em João. Cidade que viu nascer a bossa de João nos dourados anos 1950 e que abrigaria Gil nos anos 1960, década em que o aprendiz já se revelou mestre precoce ao ensinar ao Brasil as lições antropofágicas da Tropicália, o Rio de Janeiro também é celebrado em samba inédito de Gil, Rio, eu te amo, no qual o compositor explora os dois significados da palavra rio (usada também como verbo rir na conjugação da primeira pessoa do singular) para armar, no engenhoso refrão, jogo com as palavras rio e choro. E o fato é que, a caminho dos 72 anos, Gilberto samba em cena com desenvoltura, evidenciando a empatia imediata d'O pato (Jayme Silva e Neusa Teixeira, 1960) com a plateia. Neste número, como em outros do show, o acordeom de Mestrinho é posto em cena na mesma dimensão do violão de Gil e da percussão de Domenico Lancellotti. Novidade do show, a letra de Um abraço no Bonfá - tema instrumental composto por João Gilberto para saudar o compositor e violonista carioca Luiz Bonfá (1922 - 2001) e lançado pelo autor em seu segundo álbum, O amor, o sorriso e a flor (Odeon, 1960) - se afina com o espírito da homenagem. Gil dá voz - usada em registros graves que se harmonizam com os arranjos sempre leves - a versos como "Aquietei-me de vez / Quando o meu baião se fez" antes de dar Um abraço no João (Gilberto Gil, 1997) no compasso do choro. O dois abraços não puderam ser dados no disco, pois Gil ficou sem autorização de João para gravar a versão letrada do tema instrumental de 1960, "coisa de músico", como Gil o conceitua em cena por conta da intrincada trama de acordes. Mas Gil toca a bola para frente, acionando Máquina de ritmo (Gilberto Gil, 2008) - samba em que cita na letra Anjos do Inferno e Bando da Lua, grupos vocais que fizeram a cabeça de João - e recordando Ladeira da preguiça (Gilberto Gil, 1973), samba que alude à Bahia de Gil, João e Caymmi, cujo samba Milagre (1977) é feito em cena com Bem Gil percutindo o prato que, no disco, fica a cargo de Moreno Veloso. Em outro samba de Caymmi, Doralice (1945), parceria do baiano com o compositor carioca Antonio Almeida (1911 - 1985), Bem Gil pilota a guitarra, instrumento que, juntamente com os MPCs dos músicos da banda, simboliza modernidade em ambiente centrado na tradição do violão de Gil. Músico que representa no CD a conexão do samba de João e Gil com sua terra natal, Moreno Veloso entrou no palco do Theatro Net Rio para tocar prato no samba Gilbertos (Gilberto Gil, 2014), única música inédita incluída por Gil no CD, gravada com o violão luxuoso de Dori Caymmi, outra ausência sentida em cena. Enfim, o show Gilbertos samba reitera a influência transversal - adjetivo usado por Gil numa de suas falas - de João na música do Brasil e do mundo. Sem procurar imitar o mestre, Gil confirma sua maestria em cena com comportamento supermusical. Seu abraço em João Gilberto é tão forte quanto sutil. 

8 comentários:

Mauro Ferreira disse...

É no bis do show Gilbertos samba que Gilberto Gil enfatiza a rota geográfica de seu som ao alocar Eu vim da Bahia (Gilberto Gil, 1965) - samba seminal que já explicita no título a origem geográfica do cantor, compositor e músico baiano - ao lado da apoteótica lembrança de Aquele abraço (Gilberto Gil, 1969), samba em que endereça exaltação à cidade do Rio de Janeiro (RJ) aos mestres baianos Dorival Caymmi (1914 - 2008) e João Gilberto. Os dois sambas do significativo bis amarram os fios da meada de show que expande, com sutilezas, o diálogo travado por Gil com João no CD Gilbertos samba, lançado neste mesmo mês de abril de 2014 em que o show ganha a estrada em turnê nacional que teve seu ponto de partida no Rio de Janeiro, em 4 de abril, em apresentação para convidados do evento que festejou os dois anos de vida do Theatro Net Rio. No disco, produzido por Bem Gil e Moreno Veloso, Gil sustenta a leveza de João - sem cair na tentação de imitar o mestre inimitável - ao harmonizar seu violão com a percussão contemporânea de Domenico Lancellotti. O show roça a perfeição do disco. A ausência de Pedro Sá - cuja guitarra posta na regravação de Desafinado (Antonio Carlos Jobim e Newton Mendonça, 1959) é a cereja do bolo de massa leve - é sentida, embora Bem Gil insira em cena, no número, ruídos e efeitos que simulam a interferência sublime da guitarra de Sá neste samba-hino que ironiza ouvidos incapazes de entender o comportamento absolutamente musical da Bossa Nova. Com a postura zen de um buda nagô, Gil aciona sua máquina de ritmos para saudar João em roteiro que transita com desenvoltura entre Rio e Bahia. No show, Gil vai além do repertório do disco sem obviedade, ainda que Rosa Morena - samba do recorrente Dorival Caymmi, lançado em 1942 pelos Anjos do Inferno, conjunto vocal carioca adorado por João Gilberto - soe como natural e saborosa novidade de show que, tal como o disco, passa muitas vezes por Caymmi para chegar em João. Cidade que viu nascer a bossa de João nos dourados anos 1950 e que abrigaria Gil nos anos 1960, década em que o aprendiz já se revelou mestre precoce ao ensinar ao Brasil as lições antropofágicas da Tropicália, o Rio de Janeiro também é celebrado em samba inédito de Gil, Rio, eu te amo, no qual o compositor explora os dois significados da palavra rio (usada também como verbo rir na conjugação da primeira pessoa do singular) para armar, no engenhoso refrão, jogo com as palavras rio e choro. E o fato é que, a caminho dos 72 anos, Gilberto samba em cena com desenvoltura, evidenciando a empatia imediata d'O pato (Jayme Silva e Neusa Teixeira, 1960) com a plateia. Neste número, como em outros do show, o acordeom de Mestrinho é posto em cena na mesma dimensão do violão de Gil e da percussão de Domenico Lancellotti. Novidade do show, a letra de Um abraço no Bonfá - tema instrumental composto por João Gilberto para saudar o compositor e violonista carioca Luiz Bonfá (1922 - 2001) e lançado pelo autor em seu segundo álbum, O amor, o sorriso e a flor (Odeon, 1960) - se afina com o espírito da homenagem.

Mauro Ferreira disse...

Gil dá voz - usada em registros graves que se harmonizam com os arranjos sempre leves - a versos como "Aquietei-me de vez / Quando o meu baião se fez" antes de dar Um abraço no João (Gilberto Gil, 1997) no compasso do choro. O dois abraços não puderam ser dados no disco, pois Gil ficou sem autorização de João para gravar a versão letrada do tema instrumental de 1960, "coisa de músico", como Gil o conceitua em cena por conta da intrincada trama de acordes. Mas Gil toca a bola para frente, acionando Máquina de ritmo (Gilberto Gil, 2008) - samba em que cita na letra Anjos do Inferno e Bando da Lua, grupos vocais que fizeram a cabeça de João - e recordando Ladeira da preguiça (Gilberto Gil, 1973), samba que alude à Bahia de Gil, João e Caymmi, cujo samba Milagre (1977) é feito em cena com Bem Gil percutindo o prato que, no disco, fica a cargo de Moreno Veloso. Em outro samba de Caymmi, Doralice (1945), parceria do baiano com o compositor carioca Antonio Almeida (1911 - 1985), Bem Gil pilota a guitarra, instrumento que, juntamente com os MPCs dos músicos da banda, simboliza modernidade em ambiente centrado na tradição do violão de Gil. Músico que representa no CD a conexão do samba de João e Gil com sua terra natal, Moreno Veloso entrou no palco do Theatro Net Rio para tocar prato no samba Gilbertos (Gilberto Gil, 2014), única música inédita incluída por Gil no CD, gravada com o violão luxuoso de Dori Caymmi, outra ausência sentida em cena. Enfim, o show Gilbertos samba reitera a influência transversal - adjetivo usado por Gil numa de suas falas - de João na música do Brasil e do mundo. Sem procurar imitar o mestre, Gil confirma sua maestria em cena com comportamento supermusical. Seu abraço em João Gilberto é tão forte quanto sutil.

Germano Diniz disse...

Disco do ano, sem dúvida. E o show seguirá a mesma trilha.

Unknown disse...

Deu água na boca....

Unknown disse...

Disco incrível, o show parece de superar ♥

Unknown disse...

se*

Felipe dos Santos disse...

Ouvi o disco. Talvez não consiga ver o show.

E devo dizer que é curioso: enquanto Caetano faz trabalhos mais vivazes, mais "roqueiros" (literalmente em "Cê", implicitamente em "Zii e zie" e "Abraçaço"), Gil parte para coisas mais delicadas, mais reflexivas, mais calmas.

Talvez até guardando relação com quando ele voltou de Londres, lá nos anos 1970, e fez "Refazenda", o álbum mais ensimesmado da "Trilogia dos 'Rês'".

A meu ver, dá-se melhor. "Concerto de cordas - Máquinas de ritmo" já é um discão. "Gilbertos Samba" segue nessa linha.

E fico pensando se o falecido Pedro Gil estaria nesta confraria de músicos que influencia Caetano e Gil há uns dez anos (Kassin, Domenico, Pedro Sá, Moreno, até Rodrigo Amarante etc.).

Felipe dos Santos Souza

Marcelo disse...

O show supera o disco. Imperdível!!! Espero que se torne um belo DVD !!!!