Mauro Ferreira no G1

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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Entre o sagrado e o profano, o canto lírico de Virgínia tem feitio de oração

Resenha de Show
Título: Virgínia Rodrigues
Artista: Virgínia Rodrigues (em foto de Mauro Ferreira)
Participação: Iura Ranevsky (violoncelo)
Local: Solar de Botafogo (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 29 de novembro de 2010
Cotação: * * * * 1/2
Show em cartaz em 30 de novembro no Solar de Botafogo com a participação de B Negão

Há algo de sublime no canto de Virgínia Rodrigues, a intérprete baiana projetada na peça Bai Bai Pelô, encenada em 1994, em Salvador (BA), pelo Bando de Teatro Olodum. Na sua volta aos palcos do Rio de Janeiro (RJ), com dois shows agendados no Solar de Botafogo pouco mais de dois anos após a estreia carioca do show Recomeço, a cantora transita entre o sagrado e o profano ao longo das 15 músicas de roteiro que apresenta temas nunca entoados por Virgínia - como Amor, meu Grande Amor (Ângela RoRo e Ana Terra), a canção generosa de RoRo que ganha certa solenidade em belíssima abordagem - e músicas dos dois últimos álbuns da artista, Mares Profundos (2003) e Recomeço (2008). Do CD de 2003, dedicado aos afro-sambas de Baden Powell (1937- 2000) e Vinicius de Moraes (1913-1980), o Lamento de Exu ressurge em vocalises arrepiantes que interagem com o toque do violoncelo de Yura Ranevski, convidado da primeira das duas apresentações de Virgínia no teatro carioca. Até pela evocação dos orixás tão presentes nos afro-sambas de Baden & Vinicius, Lamento de Exu representa o sagrado - ao lado de temas afins como o Canto de Ossanha e o Canto de Xangô - em repertório que desce a plano mais profano quando a cantora revive Antonico (Ismael Silva), esboçando até certo ar dengoso ao refazer o pedido contido na letra do samba de Ismael Silva (1905 - 1978). Trata-se de show de voz e violão. E o violão, virtuoso, fica a cargo de Alex Mesquita, hábil tanto ao evocar o toque do berimbau na batida do seu instrumento, na introdução de Berimbau (outra joia de Baden & Vinicius), como o próprio toque do violão de Baden (em Consolação). Fora do universo dos afro-sambas, recorrente ao longo do show e até no curto bis dado com Labareda, Virgínia Rodrigues imprime a estética lírica e camerística de seu canto numa pérola da Bossa Nova, Este seu Olhar (Tom Jobim), e ensaia uns passos de samba pelo palco em Juízo Final (Nelson Cavaquinho e Élcio Soares). Momentos antes, a cantora também bailara delicadamente em cena enquanto o violoncelo de Yura Ranesvski desenhava a melodia sublime de Melodia Sentimental (Heitor Villa-Lobos e Dora Vasconcelos), outra bela novidade na voz da intérprete. E, se no show Recomeço a cantora ainda se mostrou bem insegura com as letras de algumas músicas, neste atual  recital de voz-e-violão, sua segurança em cena chega a espantar. Com seu canto em feitio de oração, Virgínia Rodrigues - um sol negro, como dizia o título de seu primeiro disco, de 1997 - ilumina profundezas com chama divina entre o sagrado e o profano.

5 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Há algo de sublime no canto de Virgínia Rodrigues, a intérprete baiana projetada na peça Bai Bai Pelô, encenada em 1994, em Salvador (BA), pelo Bando de Teatro Olodum. Na sua volta aos palcos do Rio de Janeiro (RJ), com dois shows agendados no Solar de Botafogo pouco mais de dois anos após a estreia carioca do show Recomeço, a cantora transita entre o sagrado e o profano ao longo das 15 músicas de roteiro que apresenta temas nunca entoados por Virgínia - como Amor, meu Grande Amor (Ângela RoRo e Ana Terra), a canção generosa de RoRo que ganha certa solenidade em belíssima abordagem - e músicas dos dois últimos álbuns da artista, Mares Profundos (2003) e Recomeço (2008). Do CD de 2003, dedicado aos afro-sambas de Baden Powell (1937- 2000) e Vinicius de Moraes (1913-1980), o Lamento de Exu ressurge em vocalises arrepiantes que interagem com o toque do violoncelo de Yura Ranevski, convidado da primeira das duas apresentações de Virgínia no teatro carioca. Até pela evocação dos orixás tão presentes nos afro-sambas de Baden & Vinicius, Lamento de Exu representa o sagrado - ao lado de temas afins como o Canto de Ossanha e o Canto de Xangô - em repertório que desce a plano mais profano quando a cantora revive Antonico (Ismael Silva), esboçando até certo ar dengoso ao refazer o pedido contido na letra do samba de Ismael Silva (1905 - 1978). Trata-se de show de voz e violão. E o violão, virtuoso, fica a cargo de Alex Mesquita, hábil tanto ao evocar o toque do berimbau na batida do seu instrumento, na introdução de Berimbau (outra joia de Baden & Vinicius), como o próprio toque do violão de Baden (em Consolação). Fora do universo dos afro-sambas, recorrente ao longo do show e até no curto bis dado com Labareda, Virgínia Rodrigues imprime a estética lírica e camerística de seu canto numa pérola da Bossa Nova, Este seu Olhar (Tom Jobim), e ensaia uns passos de samba pelo palco em Juízo Final (Nelson Cavaquinho e Élcio Soares). Momentos antes, a cantora também bailara delicadamente em cena enquanto o violoncelo de Yura Ranesvski desenhava a melodia sublime de Melodia Sentimental (Heitor Villa-Lobos e Dora Vasconcelos), outra bela novidade na voz da intérprete. E, se no show Recomeço a cantora ainda se mostrou bem insegura com as letras de algumas músicas, neste atual recital de voz-e-violão, sua segurança em cena chega a espantar. Com seu canto em feitio de oração, Virgínia Rodrigues - um sol negro, como dizia o título de seu primeiro disco, de 1997 - ilumina profundezas com chama divina entre o sagrado e o profano.

Denilson Santos disse...

Virgínia Rodrigues é simplesmente espetacular, na minha opinião.

Presença rara nos palcos cariocas. Aliás, pouquíssimo divulgado esse show.

Valeu, Mauro, pela dica. Estarei lá.

abração,
Denilson

Anônimo disse...

Sabia que você iria a este Show, Mauro!


Em Agosto passado foram duas apresentações (neste mesmo formato) aqui em Salvador.

Você parece traduzir um pouco do que senti estando lá!

Virginia Rodrigues é a prova de que "o Brasil não conhece o Brasil".

Guilherme disse...

Obrigado, Mauro! Se não fosse a resenha eu teria perdido esse show maravilhoso. "Amor, meu grande amor" foi arrebatadora! Abraços

Carlos Cardoso disse...

Legal de sua parte lembrar desta maravilhosa cantora.
Vi este show aqui em salvador no SESC
e saí vislumbrado. Sem dúvida a versão de "Amor meu grande amor" soa muito verdadeira. Aquelas vocalizes no final são arrepiantes. Afffffffff