Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 2 de abril de 2014

Yuka expõe suas fraturas físicas e emocionais em corajosa autobiografia

Resenha de livro
Título: Não se preocupe comigo
Autores: Marcelo Yuka e Bruno Levinson
Editora: Primeira Pessoa
Cotação: * * * * 1/2

Autorizadas ou escritas à revelia da pessoa retratada, biografias raramente deixam entrever a alma de sua personagem. Se autorizados, tais relatos nunca ultrapassam o limite da intimidade consentida, com tendência a cobrir defeitos e a enfatizar proezas do biografado. Se escritos à revelia do biografado, por mais criteriosos que sejam, tais livros sempre perfilam sua personagem sob ótica externa prejudicada pelos inevitáveis limites dessa visão. São raros os livros que desnudam o biografado, deixando a sensação de que sua alma está ali, entranhada nas páginas que reconstituem os fatos mais relevantes de sua vida. Um desses livros é Ney Matogrosso - Um cara meio estranho (1992), injustiçada biografia do cantor escrita pela jornalista Denise Pires Vaz. Sucessivos perfis de Ney publicados na imprensa desde então apenas reverberam, de forma superficial, sentimentos e fatos expostos de forma profunda pelo artista na sua biografia autorizada. Com narrativa na primeira pessoa, estruturada pelo jornalista Bruno Levinson, a recém-lançada autobiografia de Marcelo Yuka se enquadra neste seleto time de livros corajosos que descortinam realmente a alma do biografado. Tal como o documentário Marcelo Yuka no caminho das setas, lançado pela cineasta Daniela Broitman em 2011, Não se preocupe comigo é livro que vai direto ao ponto, expondo as fraturas físicas e emocionais do compositor e músico carioca projetado em escala nacional nos anos 1990 como baterista e principal letrista do grupo carioca O Rappa - banda, aliás, que parece ser simulacro de si mesma desde a saída conturbada de Yuka. Aliás, sobre essa questão, a autobiografia nada acrescenta de relevante para quem já viu o filme. Sem esconder a mágoa com o vocalista Marcelo Falcão, Yuka rebobina no livro a mesquinha questão financeira que serviu de pretexto para que fosse obrigado a sair do grupo do qual foi o principal mentor. As dores físicas e emocionais sentidas em consequência dos nove tiros levados por Yuka ao cruzar casualmente o caminho de bandidos, na noite de 9 de novembro de 2000, tampouco são a grande revelação do livro, embora a mudança de vida - imposta pela paraplegia - ocupe merecidas e saborosas páginas em que Yuka fala sem rodeios como redescobriu e reinventou o sexo, entre outros fatos de seu dolorido cotidiano. O artista é lúcido também ao expor os receios de um futuro que, no seu caso, se revela incerto, não muito promissor, à medida em que os anos avançam e Yuka continua dependente da mãe já idosa. O ouro mais puro do fluente livro reside, sobretudo, no relato da infância vivida em Campo Grande, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro, e na exposição dos dilemas de sua adolescência. Aparentemente sem maquiar os fatos, Yuka explicita a baixa autoestima, a luta adolescente para ser aceito em seu meio social - e sobretudo fora dele - e para driblar as adversidades naturais do cotidiano de todo garoto feio e pobre. Foi nessa fase que foi plantada em sua mente a consciência social que germinou n'O Rappa e que ainda lhe dá flores, frutos e dores. Por vezes, a narrativa soa repetitiva, mas nunca deixa de ser interessante pelas questões humanas e sociais que expõe em tom coloquial. Yuka não faz gênero e não poupa ninguém - nem a si mesmo. Jorro de memória ordenado e organizado por Bruno Levinson, o relato sincero de Não se preocupe comigo - livro editado com caderno de fotos de todas as fases de Yuka - ajuda a conhecer a alma humanista de um artista que vem fazendo (real) diferença em seu meio artístico e social.

3 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Autorizadas ou escritas à revelia da pessoa retratada, biografias raramente deixam entrever a alma de sua personagem. Se autorizados, tais relatos nunca ultrapassam o limite da intimidade consentida, com tendência a cobrir defeitos e a enfatizar proezas do biografado. Se escritos à revelia do biografado, por mais criteriosos que sejam, tais livros sempre perfilam sua personagem sob ótica externa prejudicada pelos inevitáveis limites dessa visão. São raros os livros que desnudam o biografado, deixando a sensação de que sua alma está ali, entranhada nas páginas que reconstituem os fatos mais relevantes de sua vida. Um desses livros é Ney Matogrosso - Um cara meio estranho (1992), injustiçada biografia do cantor escrita pela jornalista Denise Pires Vaz. Sucessivos perfis de Ney publicados na imprensa desde então apenas reverberam, de forma superficial, sentimentos e fatos expostos de forma profunda pelo artista na sua biografia autorizada. Com narrativa na primeira pessoa, estruturada pelo jornalista Bruno Levinson, a recém-lançada autobiografia de Marcelo Yuka se enquadra neste seleto time de livros corajosos que descortinam realmente a alma do biografado. Tal como o documentário Marcelo Yuka no caminho das setas, lançado pela cineasta Daniela Broitman em 2011, Não se preocupe comigo é livro que vai direto ao ponto, expondo as fraturas físicas e emocionais do compositor e músico carioca projetado em escala nacional nos anos 1990 como baterista e principal letrista do grupo carioca O Rappa - banda, aliás, que parece ser simulacro de si mesma desde a saída conturbada de Yuka. Aliás, sobre essa questão, a autobiografia nada acrescenta de relevante para quem já viu o filme. Sem esconder a mágoa com o vocalista Marcelo Falcão, Yuka rebobina no livro a mesquinha questão financeira que serviu de pretexto para que fosse obrigado a sair do grupo do qual foi o principal mentor. As dores físicas e emocionais sentidas em consequência dos nove tiros levados por Yuka ao cruzar casualmente o caminho de bandidos, na noite de 9 de novembro de 2000, tampouco são a grande revelação do livro, embora a mudança de vida - imposta pela paraplegia - ocupe merecidas e saborosas páginas em que Yuka fala sem rodeios como redescobriu e reinventou o sexo, entre outros fatos de seu dolorido cotidiano. O artista é lúcido também ao expor os receios de um futuro que, no seu caso, se revela incerto, não muito promissor, à medida em que os anos avançam e Yuka continua dependente da mãe já idosa. O ouro mais puro do fluente livro reside, sobretudo, no relato da infância vivida em Campo Grande, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro, e na exposição dos dilemas de sua adolescência. Aparentemente sem maquiar os fatos, Yuka explicita a baixa autoestima, a luta adolescente para ser aceito em seu meio social - e sobretudo fora dele - e para driblar as adversidades naturais do cotidiano de todo garoto feio e pobre. Foi nessa fase que foi plantada em sua mente a consciência social que germinou n'O Rappa e que ainda lhe dá flores, frutos e dores. Por vezes, a narrativa soa repetitiva, mas nunca deixa de ser interessante pelas questões humanas e sociais que expõe em tom coloquial. Yuka não faz gênero e não poupa ninguém - nem a si mesmo. Jorro de memória ordenado e organizado por Bruno Levinson, o relato sincero de Não se preocupe comigo - livro editado com caderno de fotos de todas as fases de Yuka - ajuda a conhecer a alma humanista de um artista que vem fazendo (real) diferença em seu meio artístico e social.

Maria disse...

Mauro além da biografia, alguma previsão quando sai o novo álbum de Yuka?
Espero ansiosa pelo disco.

Mauro Ferreira disse...

Maria, em tese o disco sai até o fim do ano. Vamos aguardar. Abs, obrigado, MauroF