Mauro Ferreira no G1

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terça-feira, 31 de maio de 2011

Relicário afetivo, 'Almamúsica' reitera harmonia do casal Hime em disco

Resenha de CD
Título: Almamúsica
Artista: Olivia Hime & Francis Hime
Gravadora: Biscoito Fino
Cotação: * * * *

Primeiro disco gravado conjuntamente por Francis Hime com Olivia Hime em 46 anos de vida amorosa, Almamúsica deve ser apreciado como um relicário afetivo do casal. As 26 músicas cantadas ou citadas ao longo das seis faixas-suítes do álbum formam mosaico de significado entendido plenamente apenas pelos artistas, dois compositores que sempre se harmonizaram na vida e na música. Disco de natureza intimista, até mesmo por conta da opção pelo formato de voz & piano (o de Francis, claro), Almamúsica reitera a harmonia e a afinação do casal Hime. "A intenção foi fazer uma viagem musical a partir de algumas canções que nos marcaram", conceitua Francis logo no início do texto que escreveu para o encarte, de arte gráfica delicada como o disco em si. Nessa viagem, a condução é do maestro Francis com seu piano sempre preciso, sem firulas ou notas jogadas fora apenas para mostrar um virtuosismo que já é conhecido de todos. "Apesar desse meu jeito cheio de opinião, cheio de argumentos, é tudo mentira: me deixei conduzir por você o tempo todo", ressalta Olivia para Francis num dos trechos mais bonitos da carta em que declara publicamente seu amor ao seu maestro. Dentro desse relicário íntimo e pessoal, urdido com referências afetivas-musicais, salta aos ouvidos tanto Paciência - em belo registro vocal de Olivia - como o dueto do casal em Saudade de Amar, antiga parceria de Francis com Vinicius de Moraes (1913 - 1980), a música que ele cantava para ela no início do namoro. Na quarta das seis suites, o apropriado entrelaçamento da Canção de Pedroca - composta por Francis para o musical O Rei de Ramos (1979) com múltiplas referências ao universo francês na letra escrita por Chico Buarque - com dois temas do repertório de Yves Montand, Du Soleil Plein la Tête e Chiens Perdus Sans Collier, sinaliza que tudo tem um sentido por mais que esse sentido nem sempre seja perceptível ou explícito. Para o ouvinte pouco interessado na intimidade conjugal dos artistas, Almamúsica se sustenta pelo bom gosto do repertório selecionado. Parceria de Olivia com Francis, a inédita faixa-título já valeria o disco com suas camadas de sons e silêncios que louvam a deusa música. Uma segunda inédita, Balada do Café Triste, composta por Francis com versos do poeta Geraldo Carneiro, também se impõe dentro desse repertório majoritariamente já conhecido. Contudo, músicas pouco ouvidas pelo público em geral - casos de Minas Geraes (Novelli e Ronaldo Bastos) e de História Antiga (Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro), tema solado por Francis com ares melancólicos das modinhas do século 19 - dão ao disco valor adicional e mostram que nem tudo é conhecido na medida de sua beleza. Ao fim da viagem, quando Olivia entoa Canta Maria (acalanto  com o qual sua mãe a ninou e com o qual Olivia embalou o sono de suas filhas), o ouvinte está impregnado da sensibilidade e musicalidade refinadas que pautam Almamúsica, disco que pede atmosfera calma e contemplativa para que seja degustado em sua plenitude.

3 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Primeiro disco gravado conjuntamente por Francis Hime com Olivia Hime em 46 anos de vida amorosa, Almamúsica deve ser apreciado como um relicário afetivo do casal. As 26 músicas cantadas ou citadas ao longo das seis faixas-suítes do álbum formam mosaico de significado entendido plenamente apenas pelos artistas, dois compositores que sempre se harmonizaram na vida e na música. Disco de natureza intimista, até mesmo por conta da opção pelo formato de voz & piano (o de Francis, claro), Almamúsica reitera a harmonia e a afinação do casal Hime. "A intenção foi fazer uma viagem musical a partir de algumas canções que nos marcaram", conceitua Francis logo no início do texto que escreveu para o encarte, de arte gráfica delicada como o disco em si. Nessa viagem, a condução é do maestro Francis com seu piano sempre preciso, sem firulas ou notas jogadas fora apenas para mostrar um virtuosismo que já é conhecido de todos. "Apesar desse meu jeito cheio de opinião, cheio de argumentos, é tudo mentira: me deixei conduzir por você o tempo todo", ressalta Olivia para Francis num dos trechos mais bonitos da carta em que declara publicamente seu amor ao seu maestro. Dentro desse relicário íntimo e pessoal, urdido com referências afetivas-musicais, salta aos ouvidos tanto Paciência - em belo registro vocal de Olivia - como o dueto do casal em Saudade de Amar, primeira parceria de Francis com Vinicius de Moraes (1913 - 1980), a música que ele cantava para ela no início do namoro. Na quarta das seis suites, o apropriado entrelaçamento da Canção de Pedroca - composta por Francis para o musical O Rei de Ramos (1979) com múltiplas referências ao universo francês na letra escrita por Chico Buarque - com dois temas do repertório de Yves Montand, Du Soleil Plein la Tête e Chiens Perdus Sans Collier, sinaliza que tudo tem um sentido por mais que esse sentido nem sempre seja perceptível ou explícito. Para o ouvinte pouco interessado na intimidade conjugal dos artistas, Almamúsica se sustenta pelo bom gosto do repertório selecionado. Parceria de Olivia com Francis, a inédita faixa-título já valeria o disco com suas camadas de sons e silêncios que louvam a deusa música. Uma segunda inédita, Balada do Café Triste, composta por Francis com versos do poeta Geraldo Carneiro, também se impõe dentro desse repertório majoritariamente já conhecido. Contudo, músicas pouco ouvidas pelo público em geral - casos de Minas Geraes (Novelli e Ronaldo Bastos) e de História Antiga (Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro), tema solado por Francis com ares melancólicos das modinhas do século 19 - dão ao disco valor adicional e mostram que nem tudo é conhecido na medida de sua beleza. Ao fim da viagem, quando Olivia entoa Canta Maria (acalanto com o qual sua mãe a ninou e com o qual Olivia embalou o sono de suas filhas), o ouvinte está impregnado da sensibilidade e musicalidade refinadas que pautam Almamúsica, disco que pede atmosfera calma e contemplativa para que seja degustado em sua plenitude.

Larissa Pereira Gouveia disse...

Mauro, lindo seu texto, de verdade.Extremamente condizente com tudo. Eu nem preciso reiterar a minha opinião acerca do Francis,da música dele,do casal – tão uníssono,tão lindo,tão talentosos ambos,tão recíprocos em tudo,enfim...Dois seres lindos que (man)tiveram um encontro perene.

É, por tudo então, beleza notória – gritante - demais para que eu fique a me repetir.Tudo fala por si.Como dizem os insuperáveis versos de uma das músicas mais lindas de todos os tempos “é tanto amor que até pode assustar.”


***Mauro: Eu só preciso fazer uma pequena correção: Na verdade a primeira composição fruto da parceria entre Vinicius e Francis é o tema ‘Sem Mais Adeus’ (Sem mais adeus, inclusive, já constava ainda sem letra no primeir(issim)o LP gravado por Francis,o escuso ‘Os Seis em Ponto’).

Sem Mais Adeus nasceu no final de uma tarde de verão e chegou as mãos de Francis escrita num guardanapo,lá na varanda do Antonio’s.Inaugurando,lindamente, de modo tão promissor a brilhante parceria.

Saudade de Amar,- também da leva dos primórdios criadores de Francis - tem para os dois realmente esta uma conotação afetiva mui peculiar,uma ligação muito forte com o inicio do namoro deles: Segundo já falaram em entrevistas, deveras eles namoravam cantarolando este tema.

Você tem toda razão quando amplia o conceito do disco a uma esfera fora do âmbito afetivo,conjugal.O disco de fato é a celebração de um encontro, mas é antes de tudo ele próprio símbolo,ícone do elo que sempre os uniu: A beleza e força da música.(Olivia inclusive costuma dizer – sob protesto da prole rss - que primeiro se apaixonou pelo músico depois pelo homem)

Obs:Fiquei sinceramente comovida,emocionada com este trecho da carta de Olivia que você citou.Estou aguardando o meu álbum para poder ler na íntegra.

Por fim só posso deveras agradecer a ambos por partilharem,dividirem - e conseqüentemente – semearem (tanto) amor.Nós, cá ,não poderemos retornar a tudo isto senão com doses colossais de amor e admiração.E nos inspirarmos...

Mauro Ferreira disse...

Grato pelos elogios, Larissa, e sobretudo pela correção. De fato, confundi 'Saudade de Amar' com 'Sem Mais Adeus'. Abs, MauroF