Mauro Ferreira no G1

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domingo, 19 de julho de 2015

Com fé no futuro, Erasmo faz boa viagem ao passado no show 'Meus lados B'

Resenha de show
Título: Meus lados B
Artista: Erasmo Carlos (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Teatro Oi Casa Grande (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 18 de julho de 2015
Cotação: * * * *

A rigor, quase toda a consistente discografia de Erasmo Carlos nos anos 1970 é constituída por lados B da obra do cantor e compositor carioca. Em que pesem eventuais sucessos radiofônicos como Sou uma criança, não entendo nada (Erasmo Carlos a partir de poema de Giuseppe Ghiaroni, 1974) e Filho único (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1976), os álbuns do Tremendão naquela década são mais cultuados do que propriamente ouvidos. Não é por acaso que são dessa década 15 das 22 músicas do roteiro de Meus lados B - show que Erasmo criou em 2013 para o projeto Inusitado, do executivo André Midani, e com o qual decidiu cair na estrada, tendo gravado ao vivo apresentação feita em janeiro deste ano de 2015, em São Paulo (SP), para edição de kit de CD e DVD recém-lançado por sua gravadora Coqueiro Verde Records. De volta à cidade onde estreou há dois anos, o show é bela viagem de Erasmo por músicas menos conhecidas de uma discografia que bebeu do soul, do samba, do samba-rock e da psicodelia da época após o reinado da cinquentona Jovem Guarda,  lembrada no roteiro com A carta (Benil Santos e Raul Sampaio, 1966) e com o rockabilly O homem da motocicleta (Motorcycle man) (Floyd Robinson em versão de Erasmo Carlos, 1966). Vários fatores fazem com que a viagem seja agradável. Em primeiro lugar, há a alta qualidade do repertório. Com exceção de Geração do meio (Narinha e Erasmo Carlos, 1982), música apresentada já no bis, os lados B de Erasmo têm status de lados A. Em segundo lugar, o Tremendão está cantando bem no show. Músicas como Meu mar (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1972) e Cachaça mecânica (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1973) - samba seco que reverbera influência da arquitetura engenhosa de Construção (Chico Buarque, 1971) - são interpretadas com precisão, sem nenhuma perda do sentido dos versos.  Por fim, há uma banda azeitada e entrosada, capitaneada pelo tecladista José Lourenço, diretor musical do show. As guitarras de Billy Brandão - marcante no solo de Amar para viver ou morrer de amor (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1982) - e Luiz Lopez garantem a pegada roqueira de temas como Dois animais na selva suja da rua, rock feito pelo compositor uruguaio Taiguara (1945 - 1996) em tributo à união pouco convencional de Erasmo com Sandra Saionara Esteves (1955 - 1995), a Narinha, como o cantor contou em cena. A propósito, Erasmo contextualiza cada lado B do roteiro, comentando as músicas em blocos de três ou quatro composições. Algumas permaneceram com mais força na memória popular, casos de Vou ficar nu para chamar sua atenção (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1969) - tema que Erasmo registrou gripado em gravação feita para a trilha sonora do filme O diamante cor de rosa (Brasil, 1970), mas lançada em compacto no fim de 1969 - e de Paralelas (1975), a canção de Belchior que o Tremendão rememora tal como gravou, com os versos originais do compositor cearense (Belchior mudou o fim da letra em versão já ouvida na gravação feita por Vanusa, lançada em 1975, antes do registro de Erasmo). Sem falar em De noite na cama (Caetano Veloso, 1971), a música feita pelo compositor baiano Caetano Veloso para Erasmo durante seu exílio em Londres e revivida por Marisa Monte em seu segundo álbum, Mais (EMI-Music, 1991). Sentado durante todo o show, Erasmo (se) diverte ao trazer à tona músicas como O comilão (Erasmo Carlos e Roberto Carlos, 1973), Mané João (Erasmo Carlos e Roberto Carlos, 1972) - o forrock que acabou carimbado como samba-rock pelos cultuadores deste gênero - e Maria Joana (Erasmo Carlos e Roberto Carlos, 1971), ode à maconha embaçada pela ação da censura da época. Precedida pelo questionador rock Análise descontraída (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1976), a canção Sementes do amanha (Gonzaguinha, 1984) planta otimismo e e expõe a fé no futuro em show que se volta com frescor, e sem saudosismos, para o passado. Erasmo Carlos canta seus lados B com fé no que (ainda) virá...

3 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ A rigor, quase toda a consistente discografia de Erasmo Carlos nos anos 1970 é constituída por lados B da obra do cantor e compositor carioca. Em que pesem eventuais sucessos radiofônicos como Sou uma criança, não entendo nada (Erasmo Carlos a partir de poema de Giuseppe Ghiaroni, 1974) e Filho único (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1976), os álbuns do Tremendão naquela década são mais cultuados do que propriamente ouvidos. Não é por acaso que são dessa década 15 das 22 músicas do roteiro de Meus lados B - show que Erasmo criou em 2013 para o projeto Inusitado, do executivo André Midani, e com o qual decidiu cair na estrada, tendo gravado ao vivo apresentação feita em janeiro deste ano de 2015, em São Paulo (SP), para edição de kit de CD e DVD recém-lançado por sua gravadora Coqueiro Verde Records. De volta à cidade onde estreou há dois anos, o show é bela viagem de Erasmo por músicas menos conhecidas de uma discografia que bebeu do soul, do samba, do samba-rock e da psicodelia da época após o reinado da cinquentona Jovem Guarda, lembrada no roteiro com A carta (Benil Santos e Raul Sampaio, 1966) e com o rockabilly O homem da motocicleta (Motorcycle man) (Floyd Robinson em versão de Erasmo Carlos, 1966). Vários fatores fazem com que a viagem seja agradável. Em primeiro lugar, há a alta qualidade do repertório. Com exceção de Geração do meio (Narinha e Erasmo Carlos, 1982), música apresentada já no bis, os lados B de Erasmo têm status de lados A. Em segundo lugar, o Tremendão está cantando bem no show. Músicas como Meu mar (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1972) e Cachaça mecânica (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1973) - samba seco que reverbera influência da arquitetura engenhosa de Construção (Chico Buarque, 1971) - são interpretadas com precisão, sem nenhuma perda do sentido dos versos. Por fim, há uma banda azeitada e entrosada, capitaneada pelo tecladista José Lourenço, diretor musical do show. As guitarras de Billy Brandão - marcante no solo de Amar para viver ou morrer de amor (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1982) - e Luiz Lopez garantem a pegada roqueira de temas como Dois animais na selva suja da rua, rock feito pelo compositor uruguaio Taiguara (1945 - 1996) em tributo à união pouco convencional de Erasmo com Sandra Saionara Esteves (1955 - 1995), a Narinha, como o cantor contou em cena. A propósito, Erasmo contextualiza cada lado B do roteiro, comentando as músicas em blocos de três ou quatro composições. Algumas permaneceram com mais força na memória popular, casos de Vou ficar nu para chamar sua atenção (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1969) - tema que Erasmo registrou gripado em gravação feita para a trilha sonora do filme O diamante cor de rosa (Brasil, 1970), mas lançada em compacto no fim de 1969 - e de Paralelas (1975), a canção de Belchior que o Tremendão rememora tal como gravou, com os versos originais do compositor cearense (Belchior mudou o fim da letra em versão já ouvida na gravação feita por Vanusa, lançada em 1975, antes do registro de Erasmo). Sem falar em De noite na cama (Caetano Veloso, 1971), a música feita pelo compositor baiano Caetano Veloso para Erasmo durante seu exílio em Londres e revivida por Marisa Monte em seu segundo álbum, Mais (EMI-Music, 1991). Sentado durante todo o show, Erasmo (se) diverte ao trazer à tona músicas como O comilão (Erasmo Carlos e Roberto Carlos, 1973), Mané João (Erasmo Carlos e Roberto Carlos, 1972) - o forrock que acabou carimbado como samba-rock pelos cultuadores deste gênero - e Maria Joana (Erasmo Carlos e Roberto Carlos, 1971), ode à maconha embaçada pela ação da censura da época. Precedida pelo questionador rock Análise descontraída (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1976), a canção Sementes do amanha (Gonzaguinha, 1984) planta otimismo e e expõe a fé no futuro em show que se volta com frescor, e sem saudosismos, para o passado. Erasmo Carlos canta seus lados B com fé no que (ainda) virá...

Damião Costa disse...

Simplesmente sensacional

ADEMAR AMANCIO disse...

Os anos 70 foi justamente o auge da outra metade da dupla.Simplificando,o Roberto ficava com o lado A e o Erasmo com o lado B.