Mauro Ferreira no G1

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terça-feira, 13 de setembro de 2011

'Filme Nacional', da cantora e atriz Marilia Barbosa, merece ser (re)visto

Resenha de reedição de CD
Título: Filme Nacional
Artista: Marilia Barbosa
Gravadora da edição original de 1978: Som Livre
Gravadora da reedição de 2011: Joia Moderna
Cotação: * * * 1/2

Reposto em catálogo pela gravadora Joia Moderna neste mês de setembro de 2011, Filme Nacional é disco do tempo em que a cantora e atriz Marilia Barbosa vivia na tela. A da TV Globo, onde atuava em novelas da emissora e era presença assídua nas trilhas sonoras das tramas com gravações editadas em compacto. O canto de Marilia certamente está retido na memória afetiva dos milhões de brasileiros que acompanharam as novelas da Globo ao longo dos anos 70. Em 1976, a artista viveu pico de popularidade quando sua gravação de Caso Você Case (Vital Farias) estourou no Brasil ao ser propagada nas cenas da novela Saramandaia. Em 1977, sua brejeira regravação de O Circo (Sidney Miller) foi ouvida na abertura da novela A Sombra dos Laranjais enquanto Olha (Roberto Carlos e Erasmo Carlos) entrou para a trilha sonora da novela O Astro, estreada pela Globo em dezembro daquele ano. Sucesso radiofônico na voz de Marilia, Olha foi regravada novamente pela cantora para integrar o repertório de Filme Nacional, disco de 1978 que veio a ser o primeiro álbum solo da artista, que debutara no mercado fonográfico em 1969 com obscuro LP dividido com os efêmeros cantores José Ricardo e Victor Hugo. Produzido por Guto Graça Mello, com ótimos arranjos repletos de cordas e sopros, Filme Nacional deveria dar prosseguimento à boa fase da carreira musical da artista. Mas, surpreendentemente, acabou representando quase um ponto final na discografia da cantora. Talvez porque a faixa escolhida para promover o disco - Antes que Aconteça, grande inédita do então incensado Renato Teixeira, que ganhara projeção no ano anterior por conta da definitiva gravação de Romaria por Elis Regina (1945 - 1982) - fosse densa demais, politizada, meio paranoica. Antes que Aconteça ganhou clipe exibido no programa Fantástico - veículo fundamental na era pré-MTV - e tocou bem na trilha sonora da novela Dancin' Days. Mas provavelmente não o suficiente para alavancar as vendas deste Filme Nacional, que, decorridos 33 anos, merece ser revisto. É um bom disco. Artista do elenco da gravadora Som Livre, Dom Beto - cantor e compositor ligado ao soul que estourara em 1977 com a música Pensando Nela, sucesso da trilha sonora da novela Dona Xepa - contribui com duas músicas, Minh'Alma (parceria com Reina) e Como um Sonho. Mais inspirada, a segunda é pontuada por  memorável solo de guitarra de Luiz Otávio Burnier, com justiça destacado por Marilia Barbosa no texto que escreveu para esta oportuna reedição de Filme Nacional, produzida por Thiago Marques Luiz sob as bençãos do DJ Zé Pedro, diretor artístico da Joia Moderna. Entre duas músicas de Djavan (a suingante Total Abandono e Estória de Cantador, que não foi contada por Marilia com toda sua beleza ruralista), há pérola rara de Rita Lee, Melodia Inacabada, embebida na feminilidade que dá o tom de parte do cancioneiro pop da compositora. O bolero que dá título ao disco, Filme Nacional (Márcio Proença), não passa na peneira do tempo, assim como Pour Pablito (João Melo e Dito), tema de importância afetiva para a cantora. Em compensação, há a belíssima Coração de Candango (Egberto Gismonti  e João Carlos Pádua) que encerra Filme Nacional de forma mais sedutora do que a abertura, feita com releitura pop de Manifesto (Mariozinho Rocha e Guto Graça Mello). Enfim, a Joia Moderna tira do baú um disco honesto - verdadeiro em seus acertos e seus erros - de uma artista que sairia da gravadora Som Livre (e progressivamente de cena...) após esse álbum em boa hora relançado.

8 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Reposto em catálogo pela gravadora Joia Moderna neste mês de setembro de 2011, Filme Nacional é disco do tempo em que a cantora e atriz Marilia Barbosa vivia na tela. A da TV Globo, onde atuava em novelas da emissora e era presença assídua nas trilhas sonoras das tramas com gravações editadas em compacto. O canto de Marilia certamente está retido na memória afetiva dos milhões de brasileiros que acompanharam as novelas da Globo ao longo dos anos 70. Em 1976, a artista viveu pico de popularidade quando sua gravação de Caso Você Case (Vital Farias) estourou no Brasil ao ser propagada nas cenas da novela Saramandaia. Em 1977, sua brejeira regravação de O Circo (Sidney Miller) foi ouvida na abertura da novela A Sombra dos Laranjais enquanto Olha (Roberto Carlos e Erasmo Carlos) entrou para a trilha sonora da novela O Astro, estreada pela Globo em dezembro daquele ano. Sucesso radiofônico na voz de Marilia, Olha foi regravada novamente pela cantora para integrar o repertório de Filme Nacional, disco de 1978 que veio a ser o primeiro álbum solo da artista, que debutara no mercado fonográfico em 1969 com obscuro LP dividido com os efêmeros cantores José Ricardo e Victor Hugo. Produzido por Guto Graça Mello, com ótimos arranjos repletos de cordas e sopros, Filme Nacional deveria dar prosseguimento à boa fase da carreira musical da artista. Mas, surpreendentemente, acabou representando quase um ponto final na discografia da cantora. Talvez porque a faixa escolhida para promover o disco - Antes que Aconteça, grande inédita do então incensado Renato Teixeira, que ganhara projeção no ano anterior por conta da definitiva gravação de Romaria por Elis Regina (1945 - 1982) - seja densa demais, quase paranoica. Antes que Aconteça ganhou clipe exibido no Fantástico - veículo fundamental na era pré-MTV - e tocou bem na trilha da novela Dancin' Days. Mas provavelmente não o suficiente para alavancar as vendas deste Filme Nacional, que, decorridos 33 anos, merece ser revisto. É um bom disco. Artista do elenco da gravadora Som Livre, Dom Beto - cantor e compositor ligado ao soul que estourara em 1977 com a música Pensando Nela, sucesso da trilha sonora da novela Dona Xepa - contribui com duas músicas, Minh'Alma (parceria com Reina) e Como um Sonho. Mais inspirada, a segunda é pontuada por memorável solo de guitarra de Luiz Otávio Burnier, com justiça destacado por Marilia Barbosa no texto que escreveu para esta oportuna reedição de Filme Nacional, produzida por Thiago Marques Luiz sob as bençãos do DJ Zé Pedro, diretor artístico da Joia Moderna. Entre duas músicas de Djavan (a suingante Total Abandono e Estória de Cantador, que não foi contada por Marilia com toda sua beleza ruralista), há pérola rara de Rita Lee, Melodia Inacabada, embebida na feminilidade que dá o tom de parte do cancioneiro pop da compositora. O bolero que dá título ao disco, Filme Nacional (Márcio Proença), não passa na peneira do tempo, assim como Pour Pablito (João Melo e Dito), tema de importância afetiva para a cantora. Em compensação, há a belíssima Coração de Candango (Egberto Gismonti e João Carlos Pádua) que encerra Filme Nacional de forma mais sedutora do que a abertura, feita com releitura pop de Manifesto (Mariozinho Rocha e Guto Graça Mello). Enfim, a Joia Moderna tira do baú um disco honesto - verdadeiro em seus acertos e seus erros - de uma artista que sairia da gravadora Som Livre (e progressivamente de cena...) após esse álbum em boa hora relançado.

Douglas Carvalho disse...

Uma enorme pena que a carreira musical da Marília, uma excelente cantora, não tenha tomado corpo. Infelizmente, no Brasil, não há espaço para cantrizes. Quase todas que tentaram ser cantoras-atrizes, tiveram a cantora progressivamente eclipsada pela atriz, caso de ótimas cantoras como Marília, Lucinha Lins e até mesmo a grande Zezé Motta. Uma pena.

Tommye disse...

Somente neste blog para se encontrar notícia tão revigorante. É bom que haja interesse de produtores como Zé Pedro para investir nessas boas redescobertas. Parabéns!

guima disse...

Ouvi demais esse "Filme...". Há anos mandei fazer uma digitalização do Lp que possuía, mas agora quero o original. Adoro Marília que, além desse Lp, gravou vários obscuros compactos que consegui nas minhas andanças pelos sebos do país.
Abs,
Ricardo Guima

Afonso disse...

"Antes que aconteça/ da fera te pegar/ trate que pareça/ vontade de cantar/ nada muito igual/ ao ato de enganar/ aja como quem vai trabalhar"… É um disco c/ letras e ideias muito fortes, politizado, desde a faixa de abertura, um jogo interessante de palavras e provocações para c/ a, então, ditadura militar. Marília demonstrara-se uma cantora antenada c/ seu tempo e sua geração, e exibiu um trabalho surpreendentemente maduro em sua estreia. Uma pena uma intérprete tão talentosa ter paulatinamente saído da cena musical, ouvindo o disco novamente, é melancólico e triste constatar isso. Espero que ela volte impulsionada por esse relançamento. Linda resenha, Mauro. É claro que quanto mais interessante (ou curioso) um trabalho ou um artista é, vc se mostra mais inspirado. Parabéns!

KL disse...

Só o fato de ser da Som Livre 70 já vale o preço, isso sem falar no fato de que é o único álbum de MB com produção à altura do seu talento, injustamente ignorado pela maioria. Uma ideia interessante seria reunir, num cd, todas as faixas da mesma gravadora que fizeram parte das trilhas de novelas, todas sensacionais. É luxo só.

CN disse...

Que maravilha. Marilia é uma herdeira da suavidade na canção brasileira. Também não entendo seu afastamento. Anos atrás, ela lançou um CD dedicado a obra de um compositor , cujo nome me sumiu (Paulo Debettio?) , mas também não é fácil de encontrar o disco. Quem sabe, acontece um show , revivendo este repertório? Parabéns a Jóia Moderna. Um grande acerto! Carlos Navas

Sandro CS disse...

Excelente e completíssima crítica, Mauro! Graças a Deus surgiu a Joia Moderna no horizonte para resgatar discos como este da Marilia Barbosa! Cantora completa, passeia por qualquer gênero com total desenvoltura, Marilia é também uma notável pesquisadora da nossa "música antiga" (anterior aos anos 1940). Seus projetos teatrais ao longo das décadas de 80, 90 e, recentemente, em 2007, sobre a cantora Aracy Cortes, mereciam ser mais conhecidos do público!