Mauro Ferreira no G1

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domingo, 11 de setembro de 2011

'+ Canções para Cortar os Pulsos' é devastador '11 de setembro' de Cida

Resenha de show
Título: + Canções para Cortar os Pulsos
Artista: Cida Moreira (em foto de Rodrigo Amaral)
Local: Casa de Francisca (São Paulo, SP)
Data: 11 de setembro de 2011
Cotação: * * * * 1/2

Show feito por Cida Moreira na primeira hora deste 11 de setembro de 2011, domingo em que o mundo refletiu sobre os efeitos dos ataques terroristas às torres do World Trade Center (NY, EUA) há exatos dez anos, + Canções para Cortar os Pulsos teve efeito devastador nos corações e mentes do público que lotou a cult Casa de Francisca, sobrado paulista com ares de cabaré, para ver a cantora desfiar um roteiro renovado. Após tema instrumental lançado por Milton Nascimento no álbum Milagre dos Peixes (1973) e tocado por Cida no piano que divide solitariamente o minipalco com a artista, Asa Partida (Fagner e Abel Silva) - canção do "Fagner dos bons tempos", como ressaltou a cantora com fina ironia - começou o efeito devastador na plateia atenta. Em momento iluminado, Cida Moreira colhe os efeitos da excelente repercussão do CD A Dama Indigna, lançado pela gravadora Joia Moderna em fevereiro com o registro de estúdio do festejado show que repôs a cantora em cena com força. Há fragmentos do show A Dama Indigna no roteiro de + Canções para Cortar os Pulsos - casos de Mãe (Caetano Veloso) e de Back to Black (Amy Winehouse e Mark Ronson). Mas o charme e a pulsação da apresentação de Cida neste 11 de setembro vieram das canções que entraram no roteiro. De início, a modinha Viola Quebrada (Heitor Villa-Lobos e Mário de Andrade) dá ao show clima de sarau - mas já no tom denso e melancólico que caracteriza as apresentações da cantora na Casa de Francisca. Nu com a Minha Música - tema de Caetano Veloso que a intérprete gravou em álbum de 1986 nunca reeditado em CD - ainda se enquadra no sarau introspectivo da artista. Aos poucos, o clima vai pesando e o canto cortante de Cida pulsa no fio da navalha quando expõe todo o sentimento de músicas como Never Dreamed You'd Leave in Summer (Stevie Wonder) e Me Acalmo Danando (Ângela RoRo, compositora de obra cortante como o canto de Cida). Entre temas do recorrente Tom Waits (Johnsburg, Illinois e Time), + Canções para Cortar os Pulsos surpreende quando a intérprete linka uma das canções seminais da obra de Caetano Veloso - Não Identificado, entoada por Cida em show feito na época de faculdade, antes de se tornar atriz e cantora profissional - com Contato Imediato,  pérola dos tribalistas Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte que jazia escondida na discografia de Arnaldo (que a lançou em 2006 em seu álbum Qualquer) até ser revivida por Jussara Silveira no show Ame ou se Mande. Justiça seja feita: a delicada canção se adequa mais ao canto límpido de Jussara do que à garganta afiada de Cida. Em contrapartida, temas como Benares Song (Bertolt Brecht e Kurt Weill) parecem moldadas para o canto operístico de cantriz, que elevou os tons no número, reiterando a boa forma de sua voz. Antes, demolindo a fronteira entre a cantora e a atriz, a intérprete recitou textos de Jack Kerouac antes e depois de cantar She (Marianne Faithfull), outra boa surpresa da devastadora apresentação, o 11 de setembro de Cida Moreira, cuja voz embute a força de um avião em choque com a banalidade.

4 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Show feito por Cida Moreira na primeira hora deste 11 de setembro de 2011, domingo em que o mundo refletiu sobre os efeitos dos ataques terroristas às torres do World Trade Center (NY, EUA) há exatos dez anos, + Canções para Cortar os Pulsos teve efeito devastador nos corações e mentes do público que lotou a cult Casa de Francisca, sobrado paulista com ares de cabaré, para ver a cantora desfiar um roteiro renovado. Após tema instrumental lançado por Milton Nascimento no álbum Milagre dos Peixes (1973) e tocado por Cida no piano que divide solitariamente o minipalco com a artista, Asa Partida (Fagner e Abel Silva) - canção do "Fagner dos bons tempos", como ressaltou a cantora com fina ironia - começou o efeito devastador na plateia atenta. Em momento iluminado, Cida Moreira colhe os efeitos da excelente repercussão do CD A Dama Indigna, lançado pela gravadora Joia Moderna em fevereiro com o registro de estúdio do festejado show que repôs a cantora em cena com força. Há fragmentos do show A Dama Indigna no roteiro de + Canções para Cortar os Pulsos - casos de Mãe (Caetano Veloso) e de Back to Black (Amy Winehouse e Mark Ronson). Mas o charme e a pulsação da apresentação de Cida neste 11 de setembro vieram das canções que entraram no roteiro. De início, a modinha Viola Quebrada (Heitor Villa-Lobos e Mário de Andrade) dá ao show clima de sarau - mas já no tom denso e melancólico que caracteriza as apresentações da cantora na Casa de Francisca. Nu com a Minha Música - tema de Caetano Veloso que a intérprete gravou em álbum de 1986 nunca reeditado em CD - ainda se enquadra no sarau introspectivo da artista. Aos poucos, o clima vai pesando e o canto cortante de Cida pulsa no fio da navalha quando expõe todo o sentimento de músicas como Never Dreamed You'd Leave in Summer (Stevie Wonder) e Me Acalmo Danando (Ângela RoRo, compositora de obra cortante como o canto de Cida). Entre temas do recorrente Tom Waits (Johnsburg, Illinois e Time), + Canções para Cortar os Pulsos surpreende quando a intérprete linka uma das canções seminais da obra de Caetano Veloso - Não Identificado, entoada por Cida em show feito na época de faculdade, antes de se tornar atriz e cantora profissional - com Contato Imediato, pérola dos tribalistas Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte que jazia escondida na discografia de Arnaldo (que a lançou em 2006 em seu álbum Qualquer) até ser revivida por Jussara Silveira no show Ame ou se Mande. Justiça seja feita: a delicada canção se adequa mais ao canto límpido de Jussara do que à garganta afiada de Cida. Em contrapartida, temas como Benares Song (Bertolt Brecht e Kurt Weill) parecem moldadas para o canto operístico de cantriz, que elevou os tons no número, reiterando a boa forma de sua voz. Antes, demolindo a fronteira entre a cantora e a atriz, a intérprete recitou textos de Jack Kerouac antes e depois de cantar She (Marianne Faithfull), outra boa surpresa da devastadora apresentação, o 11 de setembro de Cida Moreira, cuja voz embute a força de um avião em choque com a banalidade.

Anônimo disse...

Obrigado Mauro por proporcionar, pelo menos por escrito, para quem nem sempre pode ver os shows de Cida Moreira, toda a grandeza e importância dessa cantora emocionante.

KL disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
KL disse...

não conferi a performance da cantora ao vivo em teatro, mas a voz sempre me soou sincera, emotiva e cristalina, pois a musicalidade aqui não é apenas pose uma vez que sempre se acompanha ao piano - opção arriscada por diversas razões: uma delas é a de ter de tocar bem e, ao mesmo tempo, 'dialogar' com o público ao passo que o instrumento exige ficar de lado, e não de frente dele, como acontece com o violão, a flauta etc.
Esse novo repertório, ao que parece, ajusta-se perfeitamente às grandes qualidades artísticas dessa estilosa intérprete. Em resumo: não ouvi, e já gostei.
Na verdade CM é - ao contrário desse título pavoroso - uma Dama Digníssima.