Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Gravações apáticas tiram a vida (e a razão) de disco em tributo a Vinicius

Resenha de CD
Título: A vida tem sempre razão Vinicius de Moraes
Artista: vários
Gravadora: Sony Music
Cotação: * * 

Idealizado por Georgiana de Moraes com o produtor José Milton com o objetivo de celebrar o centenário de nascimento do compositor e poeta carioca Vinicius de Moraes (1913 - 1980), pai de Georgiana, o CD A vida tem sempre razão resulta decepcionante na maioria de suas 16 gravações inéditas. Sem o frescor da releitura contemporânea d'A arca de Noé, projeto fonográfico idealizado por Susana de Moraes (a filha primogênita de Vinicius), o disco resulta apático, sem vida, tradicionalista ao extremo. Dos 16 fonogramas inéditos, apenas seis merecem atenção. Escorada nos arranjos e no toque do piano de Cristóvão Bastos, a produção de José Milton alinha grandes nomes da MPB e do samba, mas poucos fazem jus aos seus respectivos históricos. As boas gravações de Ana Carolina, Chico Buarque, Joyce Moreno (com Roberta Sá), Mônica Salmaso, Nana Caymmi e Raimundo Fagner impedem o fiasco completo. Emoldurada por cordas e pelo piano de Eduardo Souto Neto, arranjador da faixa, a voz de Ana Carolina valoriza - em apropriados tons suaves - a melodia e a poesia romântica de Eu sei que vou te amar (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1959) em gravação sóbria. Chico Buarque acerta o tom exato da melancolia de O amor em paz (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1960) em interpretação precisa. Por ter assumido o arranjo e o violão de A felicidade (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1959) na arejada gravação dividida com Roberta Sá, Joyce Moreno mostra a costumeira bossa, escapando do tom excessivamente classicista do disco. Por estar habituada a esse universo do produtor José Milton, piloto de vários de seus álbuns, Nana Caymmi se ambienta em Janelas abertas (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1958) e - mesmo sem render tudo que pode - defende bem a música em gravação pontuada pelo violão de Lula Galvão e pelo piano de Cristóvão Bastos. Pela precisão de seu canto, perfeito para registros de tom camerístico, Mônica Salmaso também brilha em Sem mais adeus (1963), primeira parceria de Francis Hime com Vinicius, em gravação arranjada pelo pianista Nelson Ayres somente com voz, piano e flauta (soprada por Teco Cardoso). Sem carregar nas tintas, Raimundo Fagner também encontra o tom lamentoso de Chora coração (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1973) em registro sublinhado pelo toque virtuoso do violoncelo de Bernardo Bessler. Em contrapartida, Zeca Pagodinho ambienta o samba Chega de saudade (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1958) em clima de gafeira sem empolgar. Já Edu Lobo esmaece o sublime Canto triste (1966), sua mais inspirada parceria com o poeta, já gravada anteriormente por Lobo com mais empenho. Aliás, a escolha de Canto triste para Lobo denota preguiça na distribuição do repertório. Outro caso de escalação preguiçosa, Maria Creuza nada acrescenta de positivo ao regravar - com o toque da sanfona de Cristóvão Bastos - Onde anda você (1972), parceria de Vinicius com Hermano Silva registrada pela cantora com muito mais brilho no álbum Meia-noite (RCA Victor, 1977). Carlos Lyra também já abordou sua canção Você e eu (1961) - pérola da safra inicial de sua parceria com o poeta - com mais frescor, em que pese o toque límpido do piano de Marcos Valle na faixa. Já Miúcha solta a voz em tom arrastado e impreciso, prejudicando seu (afiado) partner Renato Braz no dueto do Samba em prelúdio (Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1963). Até João Bosco - que normalmente dá show ao interpretar repertório alheio - parece travado em Medo de amar (Vire essa folha do livro) (1958), música assinada somente por Vinicius. Se Georgiana de Moraes é presença meramente afetiva em Cartão de visita (Carlos Lyra e Vinicius de Moraes, 1964), Toquinho cai sem graça no samba Sei lá... A vida tem sempre razão (1971), sucesso de sua frutífera parceria com Vinicius. Já Arlindo Cruz se junta com Moyseis Marques para trazer três sambas da parceria de Baden Powell (1937 - 2000) com Vinicius - Consolação (1964), Formosa (composto em 1963) e Pra que chorar? (finalizado em 1964) - para o quintal carioca. A ideia foi boa, mas faltou um baticum mais forte no arranjo do violonista Cláudio Jorge para a dupla poder empolgar. Por fim, o Canto de Ossanha (1966) - um dos mais célebres títulos da série de afro-sambas de Baden & Vinicius - ressoa sem força na voz de Seu Jorge, ratificando a apatia de um disco que jamais arrebata. Com mais baixos do que altos, A vida tem sempre razão é disco (quase sempre...) sem vida, sem razão de ser.

3 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Idealizado por Georgiana de Moraes com o produtor José Milton com o objetivo de celebrar o centenário de nascimento do compositor e poeta carioca Vinicius de Moraes (1913 - 1980), pai de Georgiana, o CD A vida tem sempre razão resulta decepcionante na maioria de suas 16 gravações inéditas. Sem o frescor da releitura contemporânea d'A arca de Noé, projeto fonográfico idealizado por Susana de Moraes (a filha primogênita de Vinicius), o disco resulta apático, sem vida, tradicionalista ao extremo. Dos 16 fonogramas inéditos, apenas seis merecem atenção. Escorada nos arranjos e no toque do piano de Cristóvão Bastos, a produção de José Milton alinha grandes nomes da MPB e do samba, mas poucos fazem jus aos seus respectivos históricos. As boas gravações de Ana Carolina, Chico Buarque, Joyce Moreno (com Roberta Sá), Mônica Salmaso, Nana Caymmi e Raimundo Fagner impedem o fiasco completo. Emoldurada por cordas e pelo piano de Eduardo Souto Neto, arranjador da faixa, a voz de Ana Carolina valoriza - em apropriados tons suaves - a melodia e a poesia romântica de Eu sei que vou te amar (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1959) em gravação sóbria. Chico Buarque acerta o tom exato da melancolia de O amor em paz (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1960) em interpretação precisa. Por ter assumido o arranjo e o violão de A felicidade (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1959) na arejada gravação dividida com Roberta Sá, Joyce Moreno mostra a costumeira bossa, escapando do tom excessivamente classicista do disco. Por estar habituada a esse universo do produtor José Milton, piloto de vários de seus álbuns, Nana Caymmi se ambienta em Janelas abertas (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1958) e - mesmo sem render tudo que pode - defende bem a música em gravação pontuada pelo violão de Lula Galvão e pelo piano de Cristóvão Bastos. Pela precisão de seu canto, perfeito para registros de tom camerístico, Mônica Salmaso também brilha em Sem mais adeus (1963), primeira parceria de Francis Hime com Vinicius, em gravação arranjada pelo pianista Nelson Ayres somente com voz, piano e flauta (soprada por Teco Cardoso). Sem carregar nas tintas, Raimundo Fagner também encontra o tom lamentoso de Chora coração (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1973) em registro sublinhado pelo toque virtuoso do violoncelo de Bernardo Bessler.

Mauro Ferreira disse...

Em contrapartida, Zeca Pagodinho ambienta o samba Chega de saudade (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1958) em clima de gafeira sem empolgar. Já Edu Lobo esmaece o sublime Canto triste (1967), sua mais inspirada parceria com o poeta, já gravada anteriormente por Lobo com mais empenho. Aliás, a escolha de Canto triste para Lobo denota preguiça na distribuição do repertório. Outro caso de escalação preguiçosa, Maria Creuza nada acrescenta de positivo ao regravar - com o toque da sanfona de Cristóvão Bastos - Onde anda você (1972), parceria de Vinicius com Hermano Silva registrada pela cantora com muito mais brilho no álbum Meia-noite (RCA Victor, 1977). Carlos Lyra também já abordou sua canção Você e eu (1961) - pérola da safra inicial de sua parceria com o poeta - com mais frescor, em que pese o toque límpido do piano de Marcos Valle na faixa. Já Miúcha solta a voz em tom arrastado e impreciso, prejudicando seu (afiado) partner Renato Braz no dueto do Samba em prelúdio (Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1963). Até João Bosco - que normalmente dá show ao interpretar repertório alheio - parece travado em Medo de amar (Vire essa folha do livro) (1958), música assinada somente por Vinicius. Se Georgiana de Moraes é presença meramente afetiva em Cartão de visita (Carlos Lyra e Vinicius de Moraes, 1964), Toquinho cai sem graça no samba Sei lá... A vida tem sempre razão (1971), sucesso de sua frutífera parceria com Vinicius. Já Arlindo Cruz se junta com Moyseis Marques para trazer três sambas da parceria de Baden Powell (1937 - 2000) com Vinicius - Consolação (1964), Formosa (composto em 1963) e Pra que chorar? (finalizado em 1964) - para o quintal carioca. A ideia foi boa, mas faltou um baticum mais forte no arranjo do violonista Cláudio Jorge para a dupla poder empolgar. Por fim, o Canto de Ossanha (1966) - um dos mais célebres títulos da série de afro-sambas de Baden & Vinicius - ressoa sem força na voz de Seu Jorge, ratificando a apatia de um disco que jamais arrebata. Com mais baixos do que altos, A vida tem sempre razão é disco (quase sempre...) sem vida, sem razão de ser.

Bruno Cavalcanti disse...

Tive as mesmas impressões, mas, ao meu ver, não houveram destaques. Achei todas as gravações apáticas, inclusive as citadas. A Nana eu achei corretíssima, mas essa é uma gravação que poderia estar em qualquer um de seus discos. Já "A Felicidade" valeu pela união das vozes da Joyce e da Roberta, mas ainda assim acho que poderia ter sido melhor interpretada. Chico foi elegante, a gravação dele é gostosa, me desdigo, a gravação do Chico vale. Grande pena, um disco que poderia ser muito e é muito pouco.