Mauro Ferreira no G1

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terça-feira, 8 de novembro de 2011

Cozza pisa no quintal carioca com CD que abranda seu canto e sua força afro

Resenha de CD
Título: Fabiana Cozza
Artista: Fabiana Cozza
Gravadora: Agô Produções
Cotação: * * * *

Grande cantora ainda associada ao samba paulista, Fabiana Cozza pisa com firmeza no quintal carioca em seu terceiro álbum. O produtor Paulão Sete Cordas abranda o canto habitualmente caloroso da intérprete ao mesmo tempo em que dilui a pegada afro do samba de Cozza, uma das marcas mais fortes da artista. Fabiana Cozza, o disco, altera substancialmente a identidade da cantora em desvio de rota perigoso por deslocar artista até então ouvida e incensada basicamente na cena paulista. Ainda assim, Fabiana Cozza preserva o alto padrão da discografia da artista por conta do capricho da produção, do apuro dos arranjos (divididos entre André Santos, Alessandro Cardozo, Marcos Paiva e o próprio Paulão 7 Cordas) e da alta qualidade do repertório, evidenciada já no samba que abre o CD, Sandália Amarela (1985), exemplo da altitude do partido de Wilson Moreira e Nei Lopes. Compositores cariocas como a dupla e Sombrinha, aliás, dominam o repertório. Sambas como Sabe Deus (Sombrinha, Marquinhos PQD e Carlinhos Vergueiro) e Eternamente Sempre (Sombrinha e Marquinho PQD) poderiam figurar em qualquer disco de Beth Carvalho. Mesmo retraída no quintal carioca, a pegada afro de Cozza - impregnada no d.n.a. da artista - se impõe guerreira em São Jorge (Kiko Dinucci), faixa em que a intensidade natural do canto de Cozza brota já na introdução a capella. Mas se dilui quase inteiramente no (inapropriado) arranjo camerístico criado pelo pianista Gilson Peranzzetta para a Serenata de São Lázaro (Gilson Peranzzetta e Paulo César Pinheiro). O piano de Peranzzetta e o cello de Marcus Ribeiro abafam a percussão de Paulino Dias, reiterando a impressão de que o arranjo está fora de sintonia com os versos de Pinheiro, repletos de citações de orixás e símbolos do Candomblé. Entre o samba de Rio de Janeiro e o de São Paulo, este bem representado pelo medley que junta Solo Sagrado (Julio Marcos e Xuxu) e Narainã (Alvorada dos Pássaros) (Ideval Anselmo, Jordão e Zeca), Cozza entra na roda baiana com Candeeiro de Deus, samba do prolífico Roque Ferreira, e transita pela poética do gaúcho Lupicínio Rodrigues (1914 - 1974) em samba-canção de Wilson das Neves e Nei Lopes intitulado Lupiciana pelo fato de Nei costurar na letra (com a habitual maestria) sucessivas referências à obra do compositor de Nervos de Aço. Na geografia particular do disco, Lá Fora (Elton Medeiros e Délcio Carvalho) - samba  lançado por Délcio Carvalho no álbum A Lua e o Conhaque (CPC-UMES, 2000) - reaparece no disco de Cozza em arranjo pontuado pelo clarinete de Nailor Proveta, solista convidado da faixa. Já a animada Festa do Zé (Sombrinha e Carlinhos Vergueiro) mostra que, em qualquer tom, Cozza fica à vontade no terreiro. Ao pôr sua voz em samba de alto nível poético como Escudo (Wanderley Monteiro e Ivor Lancellotti) e ou em afro-samba do porte de Santa Bamba (Kiko Dinucci e Fabiano Ramos Torres), ela é bamba. Fabiana Cozza - ótimo disco lançado de forma independente neste mês de novembro de 2011 -  mostra que tudo,  afinal,  faz parte desse mesmo vasto e nobre quintal chamado Brasil.

10 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Grande cantora ainda associada ao samba paulista, Fabiana Cozza pisa com firmeza no quintal carioca em seu terceiro álbum. O produtor Paulão Sete Cordas abranda o canto habitualmente caloroso da intérprete ao mesmo tempo em que dilui a pegada afro do samba de Cozza, uma das marcas mais fortes da artista. Fabiana Cozza, o disco, altera substancialmente a identidade da cantora em desvio de rota perigoso por deslocar artista até então ouvida e incensada basicamente na cena paulista. Ainda assim, Fabiana Cozza preserva o alto padrão da discografia da artista por conta do capricho da produção, do apuro dos arranjos (divididos entre André Santos, Alessandro Cardozo, Marcos Paiva e o próprio Paulão 7 Cordas) e da alta qualidade do repertório, evidenciada já no samba que abre o CD, Sandália Amarela (1985), exemplo da altitude do partido de Wilson Moreira e Nei Lopes. Compositores cariocas como a dupla e Sombrinha, aliás, dominam o repertório. Sambas como Sabe Deus (Sombrinha, Marquinhos PQD e Carlinhos Vergueiro) e Eternamente Sempre (Sombrinha e Marquinho PQD) poderiam figurar em qualquer disco de Beth Carvalho. Mesmo retraída no quintal carioca, a pegada afro de Cozza - impregnada no d.n.a. da artista - se impõe guerreira em São Jorge (Kiko Dinucci), faixa em que a intensidade natural do canto de Cozza brota já na introdução a capella. Mas se dilui quase inteiramente no inapopriado arranjo camerístico criado pelo pianista Gilson Peranzzetta para a Serenata de São Lázaro (Gilson Peranzzetta e Paulo César Pinheiro). O piano de Peranzzetta e o cello de Marcus Ribeiro abafam a percussão de Paulino Dias, reiterando a impressão de que o arranjo está fora de sintonia com os versos de Pinheiro, repletos de citações de orixás e símbolos do Candomblé. Entre o samba de Rio de Janeiro e o de São Paulo, este bem representado pelo medley que junta Solo Sagrado (Julio Marcos e Xuxu) e Narainã (Alvorada dos Pássaros) (Ideval Anselmo, Jordão e Zeca), Cozza entra na roda baiana com Candeeiro de Deus, samba do prolífico Roque Ferreira, e transita pela poética do gaúcho Lupicínio Rodrigues (1914 - 1974) em samba-canção de Wilson das Neves e Nei Lopes intitulado Lupiciana pelo fato de Nei costurar na letra (com a habitual maestria) sucessivas referências à obra do compositor de Nervos de Aço. Na geografia particular do disco, Lá Fora (Elton Medeiros e Délcio Carvalho) - samba lançado por Délcio Carvalho no álbum A Lua e o Conhaque (CPC-UMES, 2000) - reaparece no disco de Cozza em arranjo pontuado pelo clarinete de Nailor Proveta, solista convidado da faixa. Já a animada Festa do Zé (Sombrinha e Carlinhos Vergueiro) mostra que, em qualquer tom, Cozza fica à vontade no terreiro. Ao pôr sua voz em samba de alto nível poético como Escudo (Wanderley Monteiro e Ivor Lancellotti) e ou em afro-samba do porte de Santa Bamba (Kiko Dinucci e Fabiano Ramos Torres), Fabiana Cozza - o ótimo disco lançado de forma independente pela cantora neste mês de novembro de 2011 - mostra que tudo, afinal, faz parte desse mesmo vasto e nobre quintal chamado Brasil.

Ju Oliveira disse...

Linda Fabiana! Acho que esse CD representa uma evolução, sem deixar de ter a marca da cantora.

Aguardando ansiosamente os shows de lançamento.

leitordomauro disse...

Cantora pretensiosa que se acredita uma diva do samba sem saber que para isso precisa trazer consigo uma diferença musical o que não é o seu caso. Gestos pensados no palco e vozeirão não querem dizer nada quando não se nasce com essa tal diferença.

Luca disse...

se o mercado dela é aqui em São Paulo, tudo a ver fazer um disco de samba carioca, que tem mais espaço aqui em sp do que no Rio. Onde é que Leci mais faz show?

Diogo Santos disse...

Gosto da voz e da forma como ela trata o samba - com revencia total. Mas um CD ( ou toda uma discografia ... ) só com afro-sambas seria cansativo/redundante.

Debaixo do que o Mauro pôs ( " canto habitualmente caloroso da intérprete " ), lembrei de um conhec ido que a chama de ' Mônica Salmaso do samba '.

Denilson Santos disse...

Gostei muito da música "Sandália Amarela" na voz dela.

Torço para que o resto do disco me agrade também.

abraço,
Denilson

Dido Borges disse...

Maravilhosa!

Cidadão disse...

"O produtor Paulão Sete Cordas abranda o canto habitualmente caloroso da intérprete ao mesmo tempo em que dilui a pegada afro do samba de Cozza" ou seja... acabou com a alma de Fabiana Cozza.

Parabéns, Paulo, por formatar as cantoras em intérpretes mornas como a Teresa Cristina.

KL disse...

Cidadão,

Como se não bastasse a falta de viogor e personalidade nas atuais cantadeiras de samba, vide TC, ainda encontram a 'colaboração' de músicos que, além de não tocarem nada, jogam água na fogueira.

Adail disse...

Fabiana Cozza é, sem dúvida, uma intérprete excepcional, que recupera a beleza da música brasileira com um "tempero" altamente nacional. A potência de sua voz revela uma cantora talentosa e rara. Em seu novo CD, dirigido por Paulão 7 Cordas, mostra uma nova fase da vida artística da intérprete, com contornos e arranjos mais suaves que, no entanto, não apagaram a potencialidade da voz ímpar da cantora. Sou fã de Fabiana e tenho nela a esperança de que a MPB, especialmente o Samba, continuará mais viva do que nunca. Parabéns, Fabiana, por mais esse belo trabalho.

Adail Sebastião Rodrigues-Júnior
Belo Horizonte - M.G.