Mauro Ferreira no G1

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domingo, 23 de fevereiro de 2014

Moyseis vislumbra horizontes em 'Casual solo' sob ótica da própria esquina

Resenha de CD
Título: Casual solo
Artista: Moyseis Marques
Gravadora: Edição independente do artista
Cotação: * * * 1/2

 É sintomático que, entre as 12 músicas alocadas por Moyseis Marques nas dez faixas de seu quarto álbum, Casual solo, haja Minha esquina, belo e esquecido samba do compositor carioca João Nogueira (1941 - 2000) lançado pelo cantor carioca Emílio Santiago (1946 - 2013) no álbum Comigo é assim (Philips, 1977). Nos versos de Minha esquina, o poeta carioca Paulo César Pinheiro - parceiro de Nogueira no tema - celebra o poder da criação nascida da dor do amor ("... Se Deus concede o dom / A mulher concede a dor"). Mineiro de vivência carioca, Moyseis aborda o amor neste disco de voz & violão gravado de 1 a 4 de setembro de 2013 no estúdio New Improved Recording, em Oakland (Califórnia, EUA), com intervenções eventuais dos músicos norte-americanos. O clarone de Harvey Wainapel, por exemplo, pontua Minha esquina, composição que se ajusta com perfeição ao repertório do álbum porque Moyseis vislumbra horizontes em Casual solo sob a ótica de sua esquina, situada em qualquer rua da Lapa, o bairro do Centro da cidade do Rio de Janeiro (RJ) que deu projeção ao bom cantor no seu boêmio circuito de samba e choro. É por isso que o destino final da viagem Brasil-Estados Unidos é a própria Lapa, focada no jogo de palavras armado pelo letrista Mauro Aguiar em De lupa na Lapa, parceria com Moyseis que alterna ritmos sem perder de vista a cadência bonita do samba. Afinal, o samba é o dom deste cantor cuja voz afinada ecoa com toda sua limpidez ao desvendar Alma de Lia (Marcello Gonçalves e Moyseis Marques) na forma de canção. Por ter o dom, o artista faz até Anjo exterminado (Jards Macalé e Waly Salomão, 1972) cair com naturalidade no samba após tirar do baú reluzente pérola do pagode carioca, Horizonte melhor (1984), samba solar e feliz da lavra de Luiz Carlos da Vila (1949 - 2008) com Adilson Victor. No tom intimista de Casual solo, Horizonte melhor é acoplado com Aqui, oh! (Toninho Horta e Fernando Brant, 1969), valiosa joia guardada em cofres das Geraes. E, como "Bendito é o fruto dessas Minas Gerais", Amor de sol nascente - bela inédita de Moacyr Luz com Moyseis Marques - traz em seu d.n.a. algo da toada mineira. Também situada fora da esquina do samba, a valsa És - outra bela inédita, esta de Moyseis com João Callado - remete nos versos e na arquitetura melódica ao cancioneiro mais recente de Chico Buarque de Hollanda. Neste solo em que Moyseis adota tom mais casual sem diluir o rigor estilístico das interpretações, És é linkada na mesma faixa com The very thought of you (1934), o standard de alma norte-americana do compositor inglês Ray Noble (1903 - 1978). Talvez por ser pouco mais do que uma citação em És, a canção The very thought of you soe no disco com menor poder de sedução do que a regravação de Is this love? (1978), o reggae que Moyseis afasta da praia do cantor e compositor jamaicano Bob Marley (1945 - 1981) até transformá-lo numa canção de amor. Aliás, como o disco  tem espírito romântico, o ponto dissonante do repertório de Casual solo é Nomes de favela (Paulo César Pinheiro, 2004), samba de tonalidade social que contrasta com a poesia vintage da valsa O ciclo da rosa (Vidal Assis e Moyseis Marques), adornada pelo seresteiro violão de sete cordas tocado por Brian Moran. O ciclo da rosa é exemplo da habilidade de Moyseis Marques em contemplar outros horizontes musicais neste CD - que chega às lojas em março - sem se afastar da esquina do samba.

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

É sintomático que, entre as 12 músicas alocadas por Moyseis Marques nas dez faixas de seu quarto álbum, Casual solo, haja Minha esquina, belo e esquecido samba do compositor carioca João Nogueira (1941 - 2000) lançado pelo cantor carioca Emílio Santiago (1946 - 2013) no álbum Comigo é assim (Philips, 1977). Nos versos de Minha esquina, o poeta carioca Paulo César Pinheiro - parceiro de Nogueira no tema - celebra o poder da criação nascida da dor do amor ("... Se Deus concede o dom / A mulher concede a dor"). Mineiro de vivência carioca, Moyseis aborda o amor neste disco de voz & violão gravado de 1 a 4 de setembro de 2013 no estúdio New Improved Recording, em Oakland (Califórnia, EUA), com intervenções eventuais dos músicos norte-americanos. O clarone de Harvey Wainapel, por exemplo, pontua Minha esquina, composição que se ajusta com perfeição ao repertório do álbum porque Moyseis vislumbra horizontes em Casual solo sob a ótica de sua esquina, situada em qualquer rua da Lapa, o bairro do Centro da cidade do Rio de Janeiro (RJ) que deu projeção ao bom cantor no seu boêmio circuito de samba e choro. É por isso que o destino final da viagem Brasil-Estados Unidos é a própria Lapa, focada no jogo de palavras armado pelo letrista Mauro Aguiar em De lupa na Lapa, parceria com Moyseis que alterna ritmos sem perder de vista a cadência bonita do samba. Afinal, o samba é o dom deste cantor cuja voz afinada ecoa com toda sua limpidez ao desvendar Alma de Lia (Marcello Gonçalves e Moyseis Marques) na forma de canção. Por ter o dom, o artista faz até Anjo exterminado (Jards Macalé e Waly Salomão, 1972) cair com naturalidade no samba após tirar do baú reluzente pérola do pagode carioca, Horizonte melhor (1984), samba solar e feliz da lavra de Luiz Carlos da Vila (1949 - 2008) com Adilson Victor. No tom intimista de Casual solo, Horizonte melhor é acoplado com Aqui, oh! (Toninho Horta e Fernando Brant, 1969), valiosa joia guardada em cofres das Geraes. E, como "Bendito é o fruto dessas Minas Gerais", Amor de sol nascente - bela inédita de Moacyr Luz com Moyseis Marques - traz em seu d.n.a. algo da toada mineira. Também situada fora da esquina do samba, a valsa És - outra bela inédita, esta de Moyseis com João Callado - remete nos versos e na arquitetura melódica ao cancioneiro mais recente de Chico Buarque de Hollanda. Neste solo em que Moyseis adota tom mais casual sem diluir o rigor estilístico das interpretações, És é linkada na mesma faixa com The very thought of you (1934), o standard de alma norte-americana do compositor inglês Ray Noble (1903 - 1978). Talvez por ser pouco mais do que uma citação em És, a canção The very thought of you soe no disco com menor poder de sedução do que a regravação de Is this love? (1978), o reggae que Moyseis afasta da praia do cantor e compositor jamaicano Bob Marley (1945 - 1981) até transformá-lo numa canção de amor. Aliás, como o disco tem espírito romântico, o ponto dissonante do repertório de Casual solo é Nomes de favela (Paulo César Pinheiro, 2004), samba de tonalidade social que contrasta com a poesia vintage da valsa O ciclo da rosa (Vidal Assis e Moyseis Marques), adornada pelo seresteiro violão de sete cordas tocado por Brian Moran. O ciclo da rosa é exemplo da habilidade de Moyseis Marques em contemplar outros horizontes musicais neste CD - que chega às lojas em março - sem se afastar muito da esquina do samba.