Mauro Ferreira no G1

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domingo, 16 de fevereiro de 2014

Careqa aborda questões infantis no CD 'Palavrão' sem a hipocrisia adulta

Resenha de CD
Título: Palavrão - Música infantil para adultos
Artista: Carlos Careqa
Gravadora: BED (Barbearia Espiritual Discos)Tratore
Cotação: * * * *

Em vez de Música infantil para adultos,o subtítulo mais adequado para Palavrão - o nono álbum de Carlos Careqa, cantor e compositor catarinense radicado em São Paulo (SP) - seria Música infantil sem a hipocrisia adulta. Artistas eventualmente fazem discos para crianças de todas as idades. Sob o heterônimo de Adriana Partimpim, a cantora e compositora gaúcha Adriana Calcanhotto - por exemplo - já editou três CDs e dois DVDs mais cultuados por seu público adulto do que pelas crianças propriamente ditas. Palavrão é disco inusitado por tocar em delicadas questões sociais e sexuais do universo infantil com linguagem simples e adequada a uma criança, mas sem recorrer ao tatibitate de alguns discos do gênero. Produzido pelo próprio Careqa com Mário Manga e Márcio Nigro, Palavrão alinha 13 músicas da lavra solitária do artista. A atmosfera do repertório é infantil, mas alguns assuntos tocados por Careqa são coisas que devem - ou pelo menos deveriam - interessar a gente grande que tem crianças sob seus cuidados. Hora do banho versa sobre um garoto de dez anos que descobre os prazeres da masturbação - assunto que Careqa repõe na pauta em Autofelacio, tema que encerra o disco com arranjo somente de vozes, lembrando aos adultos que, sim, as crianças gostam de se tocar e de explorar seu corpo mesmo antes de ter consciência de sua sexualidade. Na mesma sintonia, a marchinha O menino e a menina - incrementada com os timbres roqueiros da guitarra de Mário Manga - põe o bloco na rua ao falar com delicadeza bem-humorada de diferenças e manifestações sexuais infanto-juvenis. O diamante azul do vovô brilha ao tocar com leveza na problemática questão do abuso sexual de crianças por membros de sua própria família - tema que a sociedade hipócrita prefere deixar debaixo do tapete. Em tom mais lúdico, o reggae Exame de fezes cheira bem ao falar com naturalidade de outra questão que causa nojo aos adultos. Já o Rap do peido desmistifica ato tão natural na vida de crianças e adultos. A propósito, Onde é que fica desvenda, com arranjo que embute dissonâncias em tom indie-roqueiro, a localização do ânus. No tom camerístico de violoncelo e violinos, quebrado pelas passagens heavies do arranjo, Meleca aborda com humor o excremento do nariz que dá nome à faixa. Já O Tio Augusto perfila - no clima da música mexicana - o personagem-título, vítima de alcoolismo, doença a que muitas crianças têm que lidar forçosamente na família. Por sua vez, A tia da escola põe na sala a bela professora que desperta desejos sexuais em alunos. Tão recorrente no disco quanto na vida, a questão sexual volta à pauta em Eu e Reginaldo sobre o prazeroso troca-troca entre meninos - outro assunto que a sociedade prefere fingir que não existe. Pena que a música não esteja entre as mais inspiradas do disco, aberto com Porque a vovó tá tão fria?, música sobre a catalepsia cujo título fere a regra gramatical ao abrir mão do por que  usado nas perguntas. Em linha educativa mais tradicional, mas sem didatismo chato, Soca o pilão (Funk macrô) receita saudáveis hábitos alimentares na levada do batidão dos bailes da pesada. Enfim, por mais que nem todas as músicas estejam à altura dos temas e dos arranjos (sempre inspirados), Palavrão é um disco que merece ser ouvido por crianças que já começam a descobrir, por bem ou por mal, as coisas da vida. As boas e as más.

3 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Em vez de Música infantil para adultos,o subtítulo mais adequado para Palavrão - o nono álbum de Carlos Careqa, cantor e compositor catarinense radicado em São Paulo (SP) - seria Música infantil sem a hipocrisia adulta. Artistas eventualmente fazem discos para crianças de todas as idades. Sob o heterônimo de Adriana Partimpim, a cantora e compositora gaúcha Adriana Calcanhotto - por exemplo - já editou três CDs e dois DVDs mais cultuados por seu público adulto do que pelas crianças propriamente ditas. Palavrão é disco inusitado por tocar em delicadas questões sociais e sexuais do universo infantil com linguagem simples e adequada a uma criança, mas sem recorrer ao tatibitate de alguns discos do gênero. Produzido pelo próprio Careqa com Mário Manga e Márcio Nigro, Palavrão alinha 13 músicas da lavra solitária do artista. A atmosfera do repertório é infantil, mas alguns assuntos tocados por Careqa são coisas que devem - ou pelo menos deveriam - interessar a gente grande que tem crianças sob seus cuidados. Hora do banho versa sobre um garoto de dez anos que descobre os prazeres da masturbação - assunto que Careqa repõe na pauta em Autofelacio, tema que encerra o disco com arranjo somente de vozes, lembrando aos adultos que, sim, as crianças gostam de se tocar e de explorar seu corpo mesmo antes de ter consciência de sua sexualidade. Na mesma sintonia, a marchinha O menino e a menina - incrementada com os timbres roqueiros da guitarra de Mário Manga - põe o bloco na rua ao falar com delicadeza bem-humorada de diferenças e manifestações sexuais infanto-juvenis. O diamante azul do vovô brilha ao tocar com leveza na problemática questão do abuso sexual de crianças por membros de sua própria família - tema que a sociedade hipócrita prefere deixar debaixo do tapete. Em tom mais lúdico, o reggae Exame de fezes cheira bem ao falar com naturalidade de outra questão que causa nojo aos adultos. Já o Rap do peido desmistifica ato tão natural na vida de crianças e adultos. A propósito, Onde é que fica desvenda, com arranjo que embute dissonâncias em tom indie-roqueiro, a localização do ânus. No tom camerístico de violoncelo e violinos, quebrado pelas passagens heavies do arranjo, Meleca aborda com humor o excremento do nariz que dá nome à faixa. Já O Tio Augusto perfila - no clima da música mexicana - o personagem-título, vítima de alcoolismo, doença a que muitas crianças têm que lidar forçosamente na família. Por sua vez, A tia da escola põe na sala a bela professora que desperta desejos sexuais em alunos. Tão recorrente no disco quanto na vida, a questão sexual volta à pauta em Eu e Reginaldo sobre o prazeroso troca-troca entre meninos - outro assunto que a sociedade prefere fingir que não existe. Pena que a música não esteja entre as mais inspiradas do disco, aberto com Porque a vovó tá tão fria?, música sobre a catalepsia cujo título fere a regra gramatical ao abrir mão do por que usado nas perguntas. Em linha educativa mais tradicional, mas sem didatismo chato, Soca o pilão (Funk macrô) receita saudáveis hábitos alimentares na levada do batidão dos bailes da pesada. Enfim, por mais que nem todas as músicas estejam à altura dos temas e dos arranjos (sempre inspirados), Palavrão é um disco que merece ser ouvido por crianças que já começam a descobrir, por bem ou por mal, as coisas da vida. As boas e as más.

ADEMAR AMANCIO disse...

Nossa!Será que a direita conservadora aprovaria esse CD?

CN disse...

Bem vindo trabalho lúdico do Careqa, artista inquieto. Vou conferir.
Parabéns! Carlos Navas