Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

'1973' inventaria, em tons desiguais, discos que entraram para a história

Resenha de livro
Título: 1973 - O ano que reinventou a MPB
Autor: Célio Albuquerque (organização dos 50 textos)
Editora: Sonora
Cotação: * * *

O ano de 1973 não chegou a reinventar a MPB como alardeia o título deste livro que inventaria 50 discos lançados ao longo daqueles 365 dias. Mas é fato que alguns álbuns de 1973 apontaram novos rumos para a música brasileira. Basta dizer que o ano deu à luz os primeiros álbuns de Fagner, João Bosco, Luiz Melodia, Raul Seixas (1945 - 1989), Sérgio Sampaio (1947 - 1994) e do trio Secos & Molhados (1971 - 1974) - discos que já garantem a 1973 lugar de honra no calendário da música brasileira. Só que 1973 - O ano que reinventou a MPB - livro editado em janeiro de 2014 pela Sonora Editora - vai além desses discos de fato antológicos e analisa 50 títulos em seleção abrangente que peca somente pela omissão do primeiro álbum da cantora baiana Simone. De leitura saborosa para quem se interessa pelo passado da música brasileira, o livro se apresenta desigual pela ausência de um padrão que conferisse unidade estilística aos textos assinados por jornalistas, compositores e músicos. Com a liberdade provavelmente concedida pelo organizador do livro, o jornalista Célio Albuquerque, cada autor foi por um caminho, sem regras e sem rigores. A maioria destrincha o disco que escolheu para analisar. Nessa linha crítica, são exemplares - entre outros - o texto escrito pelo jornalista carioca Silvio Essinger sobre Krig-ha, bandolo! (o ótimo primeiro álbum solo de Raul Seixas), a pensata do produtor Ricardo Moreira sobre Araçá azul (o controvertido álbum experimental de Caetano Veloso), a análise de Quem é quem (álbum que deu maior visibilidade a João Donato) pelo jornalista Antonio Carlos Miguel, a visão de João Bosco pelo jornalista Luiz Fernando Vianna e a abordagem do álbum Clara Nunes (o LP gravado pela cantora mineira a um passo da consagração nacional de 1974) por Vagner Fernandes, biógrafo de Clara Nunes (1942 - 1983). São textos que contextualizam o disco e o artista sem cair no didatismo histórico adotado, por exemplo, pela pesquisadora e jornalista Analu Germano ao escrever sobre Canto por um novo dia, o álbum que definiu a personalidade artística de Beth Carvalho. Há autores que optaram por escrever um texto mais informativo, ao estilo de uma reportagem, sobre os discos que lhe couberam. Nessa linha, merecem menções honrosas o texto de Roberto Muggiati sobre Matita Perê (álbum que ditaria os caminhos da música de Antonio Carlos Jobim dali em diante) e o de Ricardo Schott sobre o disco Guilherme Lamounier. O texto de Muggiati é um dos poucos que realmente desvendam histórias de bastidores sobre o disco analisado - como é prometido (mas raramente cumprido) na capa do livro. De caráter majoritariamente biográfico, o texto de Schott cumpre bem a função de apresentar o carioca Guilherme Lamounier, compositor que não emplacou como cantor e atualmente é nome conhecido somente pelos poucos que sabem que são dele algumas músicas (Enrosca, Seu melhor amigo) popularizadas nas vozes de Fábio Jr. e da finada dupla Sandy & Junior (a mesma Enrosca). Por fim, há a corrente de autores que adotam tom mais pessoal, escrevendo na primeira pessoa. Com conhecimento de causa por conta de seu vasto currículo como produtor de discos de samba, Rildo Hora se sai bem nessa linha ao discorrer sobre Origens, álbum de Martinho da Vila. Ao comentar sobre o álbum Amazonas (de Naná Vasconcelos) sem o compromisso de fazer crítica ou texto jornalístico, o percussionista carioca Marcos Suzano se permite ressaltar sua conexão com seu colega pernambucano, revelando influências e curiosidades que são mais pertinentes do que as revelações de cunho pessoal feitas pelo ator, cantor e jornalista mineiro Thelmo Lins sobre o disco Drama 3º ato. Lins fala mais do impacto deste cultuado álbum ao vivo de Maria Bethânia na sua vida pessoal do que do disco em si. Mesmo que eventualmente desafine, 1973 - O ano que reinventou a MPB é livro que seduz quem dá valor a álbuns numa era digital em que o livre trânsito de músicas avulsas na internet diluiu o interesse de boa parte da nova geração por álbuns como os analisados, em tons distintos, neste inventário da produção fonográfica brasileira de 1973, ano que, como 1968, nunca terminou para os amantes da boa e velha MPB.

11 comentários:

Mauro Ferreira disse...

O ano de 1973 não chegou a reinventar a MPB como alardeia o título deste livro que inventaria 50 discos lançados ao longo daqueles 365 dias. Mas é fato que alguns álbuns de 1973 apontaram novos rumos para a música brasileira. Basta dizer que o ano deu à luz os primeiros álbuns de Fagner, João Bosco, Luiz Melodia, Raul Seixas (1945 - 1989), Sérgio Sampaio (1947 - 1994) e do trio Secos & Molhados (1971 - 1974) - discos que já garantem a 1973 lugar de honra no calendário da música brasileira. Só que 1973 - O ano que reinventou a MPB - livro editado em janeiro de 2014 pela Sonora Editora - vai além desses discos de fato antológicos e analisa 50 títulos em seleção abrangente que peca somente pela omissão do primeiro álbum da cantora baiana Simone. De leitura saborosa para quem se interessa pelo passado da música brasileira, o livro se apresenta desigual pela ausência de um padrão que conferisse unidade estilística aos textos assinados por jornalistas, compositores e músicos. Com a liberdade provavelmente concedida pelo organizador do livro, o jornalista Célio Albuquerque, cada autor foi por um caminho, sem regras e sem rigores. A maioria destrincha o disco que escolheu para analisar. Nessa linha, são exemplares - entre outros - o texto escrito pelo jornalista carioca Silvio Essinger sobre Krig-ha, bandolo! (o primeiro álbum solo de Raul Seixas), a pensata do produtor Ricardo Moreira sobre Araçá azul (o controvertido álbum experimental de Caetano Veloso), a análise de Quem é quem (álbum que deu maior visibilidade a João Donato) pelo jornalista Antonio Carlos Miguel, a visão de João Bosco pelo jornalista Luiz Fernando Vianna e a abordagem do álbum Clara Nunes (o LP gravado pela cantora mineira a um passo da consagração nacional de 1974) por Vagner Fernandes, biógrafo de Clara Nunes (1942 - 1983). São textos que contextualizam o disco e o artista sem cair no didatismo histórico adotado, por exemplo, pela pesquisadora e jornalista Analu Germano ao escrever sobre Canto por um novo dia, o álbum que definiu a personalidade artística de Beth Carvalho. Há autores que optaram por escrever um texto mais informativo, ao estilo de uma reportagem, sobre os discos que lhe couberam. Nessa linha, merecem menções honrosas o texto de Roberto Muggiati sobre Matita Perê (álbum que ditaria os caminhos da música de Antonio Carlos Jobim dali em diante) e o de Ricardo Schott sobre o disco Guilherme Lamounier. O texto de Muggiati é um dos poucos que realmente desvendam histórias de bastidores sobre o disco analisado - como é prometido (mas raramente cumprido) na capa do livro. De caráter majoritariamente biográfico, o texto de Schott cumpre bem a função de apresentar o carioca Guilherme Lamounier, compositor que não emplacou como cantor e atualmente é nome conhecido somente pelos poucos que sabem que são dele algumas músicas (Enrosca, Seu melhor amigo) popularizadas nas vozes de Fábio Jr. e da finada dupla Sandy & Junior (a mesma Enrosca).

Mauro Ferreira disse...

Por fim, há a corrente de autores que adotam tom mais pessoal, escrevendo na primeira pessoa. Com conhecimento de causa por conta de seu vasto currículo como produtor de discos de samba, Rildo Hora se sai bem nessa linha ao discorrer sobre Origens, álbum de Martinho da Vila. Ao comentar sobre o álbum Amazonas (de Naná Vasconcelos) sem o compromisso de fazer crítica ou texto jornalístico, o percussionista carioca Marcos Suzano se permite ressaltar sua conexão com seu colega pernambucano, revelando influências e curiosidades que são mais pertinentes do que as revelações de cunho pessoal feitas pelo ator, cantor e jornalista mineiro Thelmo Lins sobre o disco Drama 3º ato. Lins fala mais do impacto deste cultuado álbum ao vivo de Maria Bethânia na sua vida pessoal do que do disco em si. Mesmo que eventualmente desafine, 1973 - O ano que reinventou a MPB é livro que seduz quem dá valor a álbuns numa era digital em que o livre trânsito de músicas avulsas na internet diluiu o interesse de boa parte da nova geração por álbuns como os analisados, em tons distintos, neste inventário da produção fonográfica brasileira de 1973, ano que, como 1968, nunca terminou para os amantes da boa e velha MPB.

Cláudio disse...

faltou também falar do marcante primeiro disco de Marku Ribas, não?

Cláudio disse...

Faltou também o primeiro (importante) disco de Marku Ribas, não?

Mauro Ferreira disse...

Claudio, o primeiro álbum do Ribas - até onde sei - é de 1972. Abs, MauroF

Raffa disse...

Mauro, ele analisa o "Futebol Clube", dos Novos Baianos? Falando de Secos & Molhado, esse parênteses (1971-1974) deve ser entendido como vida produtiva do grupo ainda com o Ney, uma vez que, sob a batuta do João Ricardo, o "grupo" lançaria mais 5 registros de estúdio. Abraço

Mauro Ferreira disse...

Sim, Raffa, há um texto sobre o disco do Novos Baianos. Abs, MauroF

Emilio Pacheco disse...

Na verdade, quando os Secos e Molhados começaram em 1971, o cantor ainda não era o Ney. O grupo realmente acabou em agosto de 1974. Em 1978, João Ricardo retomou a marca e a mantém viva desde então. Cabe a cada um reconhecer ou não a "legitimidade" dessas formações dos Secos e Molhados depois da saída do Ney. De minha parte, aceito sem contestar as formações que mantiveram a sonoridade com que o público estava acostumado, em especial as de 1978 e 1980. Por outro lado, existem discos solo do João que levam o nome "Secos e Molhados". Aí já é mais difícil considerar um "grupo", embora eu goste do trabalho dele independente do rótulo.

Alexandre Marques disse...

A concepção e publicação do livro "1973 - O ano que reinventou a MPB" não é fruto de uma imposição ideológica, tampouco defesa de tese, como alguns (tendenciosa e maldosamente) tentaram insinuar. Na realidade, a obra é decorrente de uma série de reportagens publicadas em diversos jornais e revistas durante todo o ano de 2013, cuja pauta reincidente foi dedicada a um ano pleno de felizes coincidências fonográficas, que completou quatro décadas. Como foi dito na coluna do Nelson Motta, no Jornal da Globo, 1973 tinha tudo para ser o ano do extermínio da MPB - por conta da ameaça implacável da censura na época e o fim da Era dos Festivais (1965-1972) - mas não foi. O que se presenciou foi o renascimento de um gênero musical e o lançamento de uma série de LPs que teimam em resistir ao tempo, muitos deles sendo álbuns de estreia de artistas solo, surgindo daí o mote para o livro. Tanto é que dez entre dez críticos/músicos/jornalistas/historiadores/produtores musicais endossaram e compraram a ideia. Não se trata de ruptura, criação ou mudança radical, mas sim, de transformação. Como disse uma vez o grande cientista Lavoisier: "Na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma". Esta frase caiu perfeitamente como uma luva no mote deste livro. Encerro este texto parafraseando o jornalista Sílvio Essinger em sua retórica, cuja matéria foi publicada no jornal O Globo em 10 de janeiro de 2013: "Afinal, como é que tanta gente boa apareceu assim, ao mesmo tempo?"

P.S.: Como disse Marcelo Fróes, editor e um dos 50 colaboradores do livro, nenhum outro ano foi tão produtivo, nem 1972, nem 1974, muito menos 1983, 1993, 2003… ou 2013.

Alexandre Marques disse...

Mauro Ferreira, lamento discordar também de uma outra coisa: o internauta Cláudio tem razão. O primeiro LP do Marku Ribas (Underground) foi apenas gravado em 1972, mas a bolacha só chegou às lojas em 1973. O álbum Underground é, portanto, um disco de 1973, assim como o segundo play (Marku) foi gravado em 1975, mas foi lançado somente em 1976. Foi lançado posteriormente uma coletãnea chamada Marku 72/75, reunindo os dois primeiros LPs em um único CD. Porém, este título refere-se somente aos anos de GRAVAÇÃO, não lançamento. Esses LPs, se vc conferir nos rótulos das primeiras prensagens em vinil, consta (P)1973 e (P)1976, respectivamente. Dúvidas, é só conferir o link a seguir: https://sinistersaladmusikal.wordpress.com/2007/10/01/marku-ribas/. Cheers.

Alexandre Marques disse...
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