Mauro Ferreira no G1

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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Poesia inflamada sobre Bethânia arde em bela reedição de livro guerreiro

Resenha de reedição de livro
Título: Maria Bethânia Guerreira Guerrilha
Autor: Reynaldo Jardim
Editora: Mobile / Debê Produções
Ano da edição original: 1968
Ano da reedição: 2011
Cotação: * * * *
      
É o travo nos dentes
Guerreira
É o trevo das coxas
Guerrilha
É o grito no canto
Guerreira
É o canto de guerra
Guerrilha
É o roxo acalanto
Guerreira
É o perdão de joelho
Guerrilha 

O trecho do poema polifônico Maria Bethânia Guerreira Guerrilha indica o ponto de fervura com que  o poeta Reynaldo Jardim (1926 - 2011) escreveu os versos editados em livro lançado originalmente em 28 de novembro de 1968, duas semanas antes da promulgação do Ato Institucional nº 5. Até então título de colecionador, disputado a tapas e preços exorbitantes em sebos, o livro-poema está de volta à cena em reedição luxuosa produzida sob a organização de Marcio Debelian e Ramon Mello. Subversivo no conteúdo e na forma (Jardim transpôs o conceito musical de polifonia para o universo da poesia ao estruturar seus versos inflamados com fontes, sonoridades e tempos diversos), o longo poema Maria Bethânia Guerreira Guerrilha ocupa todo o livro original e, por si só, já justifica a reposição em catálogo desse livro perseguido pela censura dos anos mais rebeldes do regime militar instaurado à força no Brasil em 1964. Inspirado pela histórica interpretação de Carcará (João do Vale e José Cândido) apresentada por Bethânia no espetáculo Opinião em 1965, Jardim concebeu poema em chamas que traduz a incendiária força dramática do canto da intérprete ao mesmo tempo em que espalha as labaredas do inconformismo dos mais valentes contra a mordaça oficial que asfixiava as liberdades - sobretudo a de expressão - naquele ano de 1968 que parece não ter terminado a julgar pela repressão e pelo patrulhamento ainda detectados no Brasil de 2011. Talvez por isso o livro de Jardim tenha tido sua primeira edição destruída em sua quase totalidade pelo regime opressor da época. Através de Bethânia, rotulada à revelia como cantora de protesto por conta do voo alto de seu Carcará, Jardim fez ressoar pela poesia o seu canto de guerra. Os versos incandescentes de Maria Bethânia Guerreira Guerrilha ainda queimam a língua de quem se curva face aos podres poderes, mas aquecem a alma dos que se levantam contra os desmandos, dos que se jogam sem rede de proteção. Altiva desde sempre, Maria Bethânia jamais se curvou, impondo desde sempre a personalidade forte de seu canto e de sua alma embebida em teatro e poesia - traço que fica nítido na leitura do caloroso perfil sobre a intérprete, publicado na revista Visão de 30 de novembro de 1967 e reproduzido na reedição de Maria Bethânia Guerreira Guerrilha ao lado de artigo do jornal O Sol sobre a cantora, de depoimento de Jardim sobre a saga heroica do livro - fala transcrita do curta-metragem Profana Via Sacra (Alisson Sbrana, 2010) - e da partitura de Gaivota, tema musicado por Lourdes Ábido a partir de alguns versos do poema que ora volta à cena, quase tão ardente quanto naquele inflamado ano de 1968, nesta oportuna reedição do guerreiro livro.

3 comentários:

Mauro Ferreira disse...

O trecho do poema polifônico Maria Bethânia Guerreira Guerrilha indica o ponto de fervura com que Reynaldo Jardim (1926 - 2011) escreveu os versos editados em livro lançado originalmente em 28 de novembro de 1968, duas semanas antes da promulgação do Ato Institucional nº 5. Até então título de colecionador, disputado a tapas e preços exorbitantes em sebos, o livro-poema está de volta à cena em reedição luxuosa produzida sob a organização de Marcio Debelian e Ramon Mello. Subversivo no conteúdo e na forma (Jardim transpôs o conceito musical de polifonia para o universo da poesia ao estruturar seus versos inflamados com fontes, sonoridades e tempos diversos), o longo poema Maria Bethânia Guerreira Guerrilha ocupa todo o livro original e, por si só, já justifica a reposição em catálogo desse livro perseguido pela censura dos anos mais rebeldes do regime militar instaurado à força no Brasil em 1964. Inspirado pela histórica interpretação de Carcará (João do Vale e José Cândido) apresentada por Bethânia no espetáculo Opinião em 1965, Jardim concebeu poema em chamas que traduz a incendiária força dramática do canto da intérprete ao mesmo tempo em que espalha as labaredas do inconformismo dos mais valentes contra a mordaça oficial que asfixiava as liberdades - sobretudo a de expressão - naquele ano de 1968 que parece não ter terminado a julgar pela repressão e pelo patrulhamento ainda detectados no Brasil de 2011. Talvez por isso o livro de Jardim tenha tido sua primeira edição destruída em sua quase totalidade pelo regime opressor da época. Através de Bethânia, rotulada à revelia como cantora de protesto por conta do voo alto de seu Carcará, Jardim fez ressoar pela poesia o seu canto de guerra. Os versos incandescentes de Maria Bethânia Guerreira Guerrilha ainda queimam a língua de quem se curva face aos podres poderes, mas aquecem a alma dos que se levantam contra os desmandos, dos que se jogam sem rede de proteção. Altiva desde sempre, Maria Bethânia jamais se curvou, impondo desde sempre a personalidade forte de seu canto e de sua alma embebida em teatro e poesia - traço que fica nítido na leitura do caloroso perfil sobre a intérprete, publicado na revista Visão de 30 de novembro de 1967 e reproduzido na reedição de Maria Bethânia Guerreira Guerrilha ao lado de artigo do jornal O Sol sobre a cantora, de depoimento de Jardim sobre a saga heroica do livro - fala transcrita do curta-metragem Profana Via Sacra (Alisson Sbrana, 2010) - e da partitura de Gaivota, tema musicado por Lourdes Ábido a partir de alguns versos do poema que ora volta à cena, quase tão ardente quanto naquele inflamado ano de 1968, nesta oportuna reedição do lendário livro.

lurian disse...

O que é fascinante em Bethânia é que seus vôos nunca foram completamente domados pela indústria do disco. Continua forte, íntegra, crente em seus princípios, que nem mudaram tanto, mas permanecem revolucionários. Bethânia não é apenas uma "cantriz', mas uma formadora de conceitos que distribui poesia, canto e arte em tudo que faz.

Alexandre Siqueira disse...

Este livro é urgente! Será que já está disponível nas "boas lojas do ramo", Mauro?