Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Fruto de vivência carioca, 'Colheita' suaviza baianidade nagô de Mariene

Resenha de CD
Título: Colheita
Artista: Mariene de Castro
Gravadora: Universal Music
Cotação: * * * *

Fruto da vivência carioca de Mariene de Castro, cantora baiana que se radicou na cidade do Rio de Janeiro (RJ), o álbum Colheita suaviza o canto e a baianidade nagô desta intérprete de voz radiante. É com maior leveza no canto - nítida na regravação da balada Impossível acreditar que perdi você (Márcio Greyck e Cobel, 1970) na cadência bonita do samba - que Mariene se equilibra na ponte Bahia-Rio de Janeiro neste disco formatado por Max Pierre, produtor associado a nomes como o cantor carioca Zeca Pagodinho. Não por acaso, Pagodinho participa do CD, cantando (no seu tom habitualmente informal, sem rigor estilístico) Colheita, o samba inédito do compositor baiano Nelson Rufino que dá nome ao CD e que foi gravado com arranjo valorizado pelo realejo de Rildo Hora. Colheita, o disco, insere Mariene de Castro no nobre quintal carioca. Escolhido para promover o disco nas rádios do Rio de Janeiro, o samba Me beija (Arlindo Neto, Marquinhos Nunes e Renato Moraes) é típico fruto desse quintal. Mesmo que o baiano Roque Ferreira seja o compositor mais recorrente no repertório, a cadência do disco pende para o samba do Rio de Janeiro por conta dos arranjos, assinados em sua maioria pelo pianista Júlio Teixeira, a sós ou em parceria com os músicos da banda de Mariene. Basta ouvir Mágoa - samba composto por Roque Ferreira em parceria com o mineiro Toninho Geraes - para perceber que a matriz luminosa do canto da mineira Clara Nunes (1942 - 1983) por vezes ainda guia a baiana em Colheita, revelando a influência do projeto Um ser de luz (Universal Music, 2013), tributo a Clara que ajudou a popularizar o nome de Mariene no ano em que o Brasil lembrou as três décadas da precoce saída de cena da Guerreira. Disco de samba, Colheita atenua a carga afro-brasileira do repertório de Mariene de Castro, ainda que uma esplendorosa gravação de Oxossi (Roque Ferreira e Paulo César Pinheiro, 2004) - feita com o violoncelo de Jaques Morelenbaum e citação de ponto do orixá que nomeia a composição - esteja alocada já na abertura do disco, lembrando a origem e a fé da cantora. Origem reiterada no majestoso dueto com Maria Bethânia em A força que vem da raiz, samba inédito (em disco) de Roque Ferreira, parceiro de Dunga em Tirilê, outra inédita música cheia de baianidade que também conecta Mariene ao seu universo original. Disco que recusa a tristeza, Colheita reafirma a fé de Mariene de Castro no samba, na vida e em dias melhores. Música da cantora e compositora portuguesa Sara Tavares, Balancê (2005) liga o quintal brasileiro à África, em especial no suingue da música de Cabo Verde. Um dos pontos mais altos do disco, o partido Eu carrego patuá - dos compositores cariocas Juninho Thybau, Alexandre Cacrinha e Flavinho Bento - explicita o sincretismo religioso e musical promovido em Colheita. Samba-canção pouco ouvido do compositor carioca Cartola (1908 - 1980), Nós dois (1977) é veículo para Mariene exercitar os tons mais suaves adotados no canto da grande maioria das 14 músicas do álbum. O bandolim virtuoso de Hamilton de Holanda adorna a faixa. Já O que é o amor (Arlindo Cruz, Fred Camacho e Maurição, 2007) soa dispensável no disco porque, embora o registro de Mariene seja bonito como o samba, a recente gravação de Maria Rita ainda está na memória do Brasil. Mais sagaz foi a lembrança da toada-canção Retrato da vida (1998), primeira parceria do pernambucano Dominguinhos (1941 - 2013) com o alagoano Djavan. Pontuada pelo acordeom de Cicinho de Assis, a gravação de Mariene leva a música para outra dimensão, beirando o sublime. E se o samba nasceu na Bahia, como defende o poeta Vinicius de Moraes (1913 - 1980) em verso do Samba da benção (1966), uma das obras-primas que compôs com Baden Powell (1937 - 2000), o samba também floresceu no solo do Rio de Janeiro. O que justifica a benção aos bambas cariocas pedida pela convidada Beth Carvalho na apropriada regravação do Samba da benção. Para Mariene de Castro, sempre foi melhor ser alegre do que triste. Colheita é disco de cores vivas, todas expostas na Aquarela da Amazônia, o sambão de Toninho Geraes e Toninho Nascimento que exalta o Norte do Brasil, fechando o disco no toque caloroso dos ritmistas da bateria da escola de samba carioca Portela. Mesmo sem o tom radiante de Tabaroinha (2012), grande disco produzido por Alê Siqueira, Colheita expõe os bons frutos colhidos por Mariene de Castro em sua vivência carioca.

14 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Fruto da vivência carioca de Mariene de Castro, cantora baiana que se radicou na cidade do Rio de Janeiro (RJ), o álbum Colheita suaviza o canto e a baianidade nagô desta intérprete de voz radiante. É com maior leveza no canto - nítida na regravação da balada Impossível acreditar que perdi você (Márcio Greyck e Cobel, 1970) na cadência bonita do samba - que Mariene se equilibra na ponte Bahia-Rio de Janeiro neste disco formatado por Max Pierre, produtor associado a nomes como o cantor carioca Zeca Pagodinho. Não por acaso, Pagodinho participa do CD, cantando (no seu tom habitualmente informal, sem rigor estilístico) Colheita, o samba inédito do compositor baiano Nelson Rufino que dá nome ao CD e que foi gravado com arranjo valorizado pelo realejo de Rildo Hora. Colheita, o disco, insere Mariene de Castro no nobre quintal carioca. Escolhido para promover o disco nas rádios do Rio de Janeiro, o samba Me beija (Arlindo Neto, Marquinhos Nunes e Renato Moraes) é típico fruto desse quintal. Mesmo que o baiano Roque Ferreira seja o compositor mais recorrente no repertório, a cadência do disco pende para o samba do Rio de Janeiro por conta dos arranjos, assinados em sua maioria pelo pianista Júlio Teixeira, a sós ou em parceria com os músicos da banda de Mariene. Basta ouvir Mágoa - samba composto por Roque Ferreira em parceria com o mineiro Toninho Geraes - para perceber que a matriz luminosa do canto da mineira Clara Nunes (1942 - 1983) por vezes ainda guia a baiana em Colheita, revelando a influência do projeto Um ser de luz (Universal Music, 2013), tributo a Clara que ajudou a popularizar o nome de Mariene no ano em que o Brasil lembrou as três décadas da precoce saída de cena da Guerreira. Disco de samba, Colheita atenua a carga afro-brasileira do repertório de Mariene de Castro, ainda que uma esplendorosa gravação de Oxossi (Roque Ferreira e Paulo César Pinheiro, 2004) - feita com o violoncelo de Jaques Morelenbaum e citação de ponto do orixá que nomeia a composição - esteja alocada já na abertura do disco, lembrando a origem e a fé da cantora. Origem reiterada no majestoso dueto com Maria Bethânia em A força que vem da raiz, samba inédito (em disco) de Roque Ferreira, parceiro de Dunga em Tirilê, outra inédita música cheia de baianidade que também conecta Mariene ao seu universo original. Disco que recusa a tristeza, Colheita reafirma a fé de Mariene de Castro no samba, na vida e em dias melhores. Música da cantora e compositora portuguesa Sara Tavares, Balancê (2005) liga o quintal brasileiro à África, em especial no suingue da música de Cabo Verde.

Mauro Ferreira disse...

Um dos pontos mais altos do disco, o partido Eu carrego patuá - dos compositores cariocas Juninho Thybau, Alexandre Cacrinha e Flavinho Bento - explicita o sincretismo religioso e musical promovido em Colheita. Samba-canção pouco ouvido do compositor carioca Cartola (1908 - 1980), Nós dois (1977) é veículo para Mariene exercitar os tons mais suaves adotados no canto da grande maioria das 14 músicas do álbum. O bandolim virtuoso de Hamilton de Holanda adorna a faixa. Já O que é o amor (Arlindo Cruz, Fred Camacho e Maurição, 2007) soa dispensável no disco porque, embora o registro de Mariene seja bonito como o samba, a recente gravação de Maria Rita ainda está na memória do Brasil. Mais sagaz foi a lembrança da toada-canção Retrato da vida (1998), primeira parceria do pernambucano Dominguinhos (1941 - 2013) com o alagoano Djavan. Pontuada pelo acordeom de Cicinho de Assis, a gravação de Mariene leva a música para outra dimensão, beirando o sublime. E se o samba nasceu na Bahia, como defende o poeta Vinicius de Moraes (1913 - 1980) em verso do Samba da benção (1966), uma das obras-primas que compôs com Baden Powell (1937 - 2000), o samba também floresceu no solo do Rio de Janeiro. O que justifica a benção aos bambas cariocas pedida pela convidada Beth Carvalho na apropriada regravação do Samba da benção. Para Mariene de Castro, sempre foi melhor ser alegre do que triste. Colheita é disco de cores vivas, todas expostas na Aquarela da Amazônia, o sambão de Toninho Geraes e Toninho Nascimento que exalta o Norte do Brasil, fechando o disco no toque caloroso dos ritmistas da bateria da escola de samba carioca Portela. Mesmo sem o tom radiante de Tabaroinha (2012), grande disco produzido por Alê Siqueira, Colheita expõe os bons frutos colhidos por Mariene de Castro em sua vivência carioca.

falsobrilhante disse...

Acho perigosa essa história de "suavizar" a baianidade nagô. A identidade de Mariene é justamente essa baianidade nagô que, ao contrário de "ter" que ser suavizada, precisa ser realçada, foi isso que chamou a atenção para ela. Torná-la uma sambista carioca, mais uma, ainda que em belas gravações, retira-lhe o que lhe é essencial: a Baianidade Nagô.

Denilson Santos disse...

Balancê é uma música extraordinária. Muito boa a ideia da Mariene gravar essa música.

Mas também penso que suavizar a baianidade possa ser prejudicial para a carreira dela. Tomara que não...

abração
Denilson

Fernando Lima disse...

Ainda não ouvi o disco. Mas acho que, em termos de samba, apenas a Bahia ainda tem algo a mostrar nesse gênero, tanto quanto em se falando de compositores como a arranjadores.

Eduardo Cáffaro disse...

Concordo com os colegas ai em cima, comecei a gostar de Mariene, ja no primeiro CD, justamente por ser uma cantora que me fazia viajar pelo som e alma da Bahia ...os atabaques, os orixas, suas mil pulseiras, seu cabelo exuberante ...Quando comprei o segundo trabalho, Santo de casa, isso estava ainda melhor, e o show foi perfeito. Taboarinha é lindo, e eu ja achei que podia ter sido mais BAIANO ...dai o tributo a Clara Nunes, uma bela homenagem sem duvida, mas aquém da Mariene Baiana ...faltou um pouco do AFRO nos SAMBAS ... Agora este colheita, embora seja um bom album, só me fez vibrar justamente nas faixas em que a Bahia fica mais forte. Espero que essa carioquice, seja uma onda passageira, bem passageira, e que o próximo seja totalmente AFRO BAIANO ...pois quando Mariene canta : No meio do temporal ninguém é rei, MAS EU SOU ... esta esta coberta de razão. Agora num boteco ou num quintal ...sua grandeza e brilho, se apagam e para mim fica mais uma cantora de samba entre tantas, e tantas e tantas outras pelos barzinhos e botecos do Rio de Janeiro e São Paulo.

Unknown disse...

Fiquei muito impressionada com a "Força que vem da Raiz" - dueto com a Bethânia. Parabéns!

Rafael disse...

Ainda também não escutei o disco, mas pelo pouco que ouvi da regravação de "Impossível Acreditar...", até gostei da versão que ela deu a música do Greyck.

Fernando disse...

Bela resenha Mauro. Parabéns pelo trabalho legítimo que você faz neste blog. Ouvi o disco algumas vezes e o que me pareceu estranho foi a balada Impossível acreditar que perdi você. A força que vem da raiz é, pra mim, o auge do trabalho; letra e música em harmonia plena. Parabéns Mariene.

nizaldo disse...

O disco está muito bom, mas incompleto: faltou uma canção de Roberto Mendes

Rhenan Soares disse...

Achei esse repertório super preguiçoso. Disco chatinho...

Unknown disse...

O disco é sensacional! As letras, as músicas, os músicos, os compositores. Mariene é a melhor cantora e intérprete dos tempos atuais. Isso a faz caminhar com desenvoltura por todas as vertentes que o álbum oferece.

E adorei a versão de "O que é o amor". Mariene deixa a música com cara de samba de quadra mesmo. De raiz, sabe?

Salve, Mariene!

Unknown disse...

O disco é fabuloso. Gostaria de saber quem fez o arranjo do cabelo dela?

Marcos Lúcio disse...

Repito e faço minhas as palavras do primeiro comentarista: "A identidade de Mariene é justamente essa baianidade nagô que, ao contrário de "ter" que ser suavizada, precisa ser realçada, foi isso que chamou a atenção para ela. Torná-la uma sambista carioca, mais uma, ainda que em belas gravações, retira-lhe o que lhe é essencial: a Baianidade Nagô". Se ela enveredar por este caminho...da suavidade (credo!, arte não é cool rs), será um desperdício de talento, será mais uma Tereza Cristina ou outras tantas mornas que pululam por aí.Saudade da Mariene dos primeiros momentos de total baianidade Nagô , exuberância e força...que justamente encantaram-me e tornaram-na mais singular.Só aprecio cantoras originais, únicas
.Vou aguardar.Se ela voltar à sua essência, faço as pazes com ela rs.