Mauro Ferreira no G1

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quinta-feira, 27 de junho de 2013

'Foi no mês que vem' confunde o tempo ao resumir grande obra de Ramil

Resenha de CD
Título: Foi no mês que vem
Artista: Vitor Ramil
Gravadora: Satolep Music
Cotação: * * * * 1/2

Música lançada por Vitor Ramil em seu álbum de pegada mais roqueira, À beça (1995), Foi no mês que vem embaralha a noção de tempo em seu título. Talvez por isso mesmo a canção tenha sido escolhida para abrir e batizar o disco duplo em que o compositor gaúcho compila sua obra, já grande na qualidade e na quantidade. Com gravações inéditas de 32 músicas selecionadas entre os nove álbuns de Ramil, o CD duplo Foi no mês que vem também brinca com a noção de tempo ao reapresentar em novas embalagens canções velhas que, no entanto, podem soar novas. Sobretudo para quem está se iniciando na obra de Ramil no momento em que suas músicas ganham projeção adicional na voz do cantor Ney Matogrosso. Sucesso do penúltimo disco e show de Ney, Beijo bandido (2009), Invento (2007) figura no repertório aclimatado na ambiência acústica - criada pela predominância de violões nos arranjos - que pauta este álbum retrospectivo produzido pelo próprio Ramil e gravado entre Brasil e Argentina. Enraizado nas tradições musicais dos Pampas, mas sem qualquer ranço folclórico, o cancioneiro de Ramil sempre foi embebido em fina poesia e tem um requinte melódico que se esconde na aparente simplicidade de músicas como Grama verde (Vitor Ramil e André Gomes, 1995) - gravada para Foi no mês que vem com a percussão precisa de Marcos Suzano, com quem Ramil já dividiu inspirado álbum, Satolep sambatown (2007) - e Neve de papel (2004), composição gravada com a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro, cujas cordas, arranjadas por Wagner Cunha, adornam também Livro aberto (2007), Perdão (2004) e O primeiro dia (2004). O rodízio de convidados - recrutados entre Argentina, Brasil e Uruguai - impede que a longa revisão soe linear, caindo na monotonia que acomete alguns álbuns de formato acústico. Em tom outonal, Milton Nascimento põe sua voz em Não é céu (1995). Além de tocar mellotron, o roqueiro argentino Fito Paez se aventura a cantar em português carregado Espaço (2000), uma das mais envolventes canções de Ramil. Além de dar voz a À beça (1995), o também argentino Pedro Aznar toca baixo e cuatro venezuelano na faixa. A harmônica de outro argentino, Franco Luciani, aviva a pulsação de Valérie (2000).  E tudo soa natural, pois a obra de Ramil dialoga bem com o caloroso universo musical portenho, embora tenha nascido sob a égide da Estética do frio, termo criado pelo próprio Ramil para conceituar temas como Ramilonga (1997), música que exemplifica a habilidade do compositor para se apropriar dos ritmos do Sul com linguagem contemporânea. Há, a propósito, um caráter cosmopolita no cancioneiro de Ramil que faz com que soe natural que uma de suas músicas, Noa noa (2004), reapareça em Foi no mês que vem com leitura em francês (por Isabel Ramil) de trecho do livro homônimo da canção lançada no álbum Longes (2004). Tal cancioneiro adquire por vezes contorno épico em temas como Tango da independência (Vitor Ramil e Paulo Seben) - música que reforça o elo do compositor com o universo portenho e que até então não fazia parte da discografia oficial de Ramil - e Joquim, longa versão de Joey (Bob Dylan e Jacques Levy) feita por Ramil para Tango, o álbum de 1987 que apresentou outra obra-prima de tom épico, Loucos de cara (Kleiton Ramil e Vitor Ramil), música que pede mais do que um violão no arranjo. Acima de rótulos e conceitos, paira a beleza melódica e poética de canções como Astronauta lírico (Vitor Ramil a partir de Vielimir Khlébnikov e Haroldo de Campos, 2007) - música que encerra o bis do atual show de Ney Matogroso, Atento aos sinais - e Deixando o pago (Vitor Ramil e João da Cunha Vargas, 2004). Ney, aliás, também figura na lista de convidados de Foi no mês que vem, dando voz a Que horas não são? (2000). Vasto, o time de convidados inclui também o uruguaio Jorge Drexler - que se harmoniza com Ramil ao cantar Viajei (2007) em português desenvolto - e os manos Kleiton & Kledir, que se unem ao irmão desgarrado (apenas musicalmente) em Noite de São João (Vitor Ramil sobre poema de Fernando Pessoa, 1997). Enfim, Foi no mês que vem pode significar mais do mesmo para o público atento que acompanha Ramil desde seu aparecimento, em 1981, com Estrela, estrela, álbum batizado com o nome da canção - também presente entre as 32 músicas, claro - que ganhou as vozes de cantoras como Gal Costa e Maria Rita ao longo dos 32 anos de carreira fonográfica do compositor. Contudo, ao revisar sua obra com apuro, o artista dá nova vida a velhas canções, viajando no tempo com propriedade e sofisticação. Que horas não são?

10 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Música lançada por Vitor Ramil em seu álbum de pegada mais roqueira, À beça (1995), Foi no mês que vem embaralha a noção de tempo em seu título. Talvez por isso mesmo a canção tenha sido escolhida para abrir e batizar o disco duplo em que o compositor gaúcho compila sua obra, já grande na qualidade e na quantidade. Com gravações inéditas de 32 músicas selecionadas entre os nove álbuns de Ramil, o CD duplo Foi no mês que vem também brinca com a noção de tempo ao reapresentar em novas embalagens canções velhas que, no entanto, podem soar novas. Sobretudo para quem está se iniciando na obra de Ramil no momento em que suas músicas ganham projeção adicional na voz do cantor Ney Matogrosso. Sucesso do penúltimo disco e show de Ney, Beijo bandido (2009), Invento (2007) figura no repertório aclimatado na ambiência acústica - criada pela predominância de violões nos arranjos - que pauta este álbum retrospectivo produzido pelo próprio Ramil e gravado entre Brasil e Argentina. Enraizado nas tradições musicais dos Pampas, mas sem qualquer ranço folclórico, o cancioneiro de Ramil sempre foi embebido em fina poesia e tem um requinte melódico que se esconde na aparente simplicidade de músicas como Grama verde (Vitor Ramil e André Gomes, 1995) - gravada para Foi no mês que vem com a percussão precisa de Marcos Suzano, com quem Ramil já dividiu inspirado álbum, Satolep sambatown (2007) - e Neve de papel (2004), composição gravada com a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro, cujas cordas, arranjadas por Wagner Cunha, adornam também Livro aberto (2007), Perdão (2004) e O primeiro dia (2004). O rodízio de convidados - recrutados entre Argentina, Brasil e Uruguai - impede que a longa revisão soe linear, caindo na monotonia que acomete alguns álbuns de formato acústico. Em tom outonal, Milton Nascimento põe sua voz em Não é céu (1995). Além de tocar mellotron, o roqueiro argentino Fito Paez se aventura a cantar em português carregado Espaço (2000), uma das mais envolventes canções de Ramil. Além de dar voz a À beça (1995), o também argentino Pedro Aznar toca baixo e cuatro venezuelano na faixa. A harmônica de outro argentino, Franco Luciani, aviva a pulsação de Valérie (2000). E tudo soa natural, pois a obra de Ramil dialoga bem com o caloroso universo musical portenho, embora tenha nascido sob a égide da Estética do frio, termo criado pelo próprio Ramil para conceituar temas como Ramilonga (1997), música que exemplifica a habilidade do compositor para se apropriar dos ritmos do Sul com linguagem contemporânea. Há, a propósito, um caráter cosmopolita no cancioneiro de Ramil que faz com que soe natural que uma de suas músicas, Noa noa (2004), reapareça em Foi no mês que vem com leitura em francês (por Isabel Ramil) de trecho do livro homônimo da canção lançada no álbum Longes (2004).

Mauro Ferreira disse...

Tal cancioneiro adquire por vezes contorno épico em temas como Tango da independência (Vitor Ramil e Paulo Seben) - música que reforça o elo do compositor com o universo portenho e que até então não fazia parte da discografia oficial de Ramil - e Joquim, longa versão de Joey (Bob Dylan e Jacques Levy) feita por Ramil para Tango, o álbum de 1987 que apresentou outra obra-prima de tom épico, Loucos de cara (Kleiton Ramil e Vitor Ramil), música que pede mais do que um violão no arranjo. Acima de rótulos e conceitos, paira a beleza melódica e poética de canções como Astronauta lírico (Vitor Ramil a partir de Vielimir Khlébnikov e Haroldo de Campos, 2007) - música que encerra o bis do atual show de Ney Matogroso, Atento aos sinais - e Deixando o pago (Vitor Ramil e João da Cunha Vargas, 2004). Ney, aliás, também figura na lista de convidados de Foi no mês que vem, dando voz a Que horas não são? (2007). Vasto, o time de convidados inclui também o uruguaio Jorge Drexler - que se harmoniza com Ramil ao cantar Viajei (2007) em português desenvolto - e os manos Kleiton & Kledir, que se unem ao irmão desgarrado (apenas musicalmente) em Noite de São João (Vitor Ramil sobre poema de Fernando Pessoa, 1997). Enfim, Foi no mês que vem pode significar mais do mesmo para o público atento que acompanha Ramil desde seu aparecimento, em 1981, com Estrela, estrela, álbum batizado com o nome da canção - também presente entre as 32 músicas, claro - que ganhou as vozes de cantoras como Gal Costa e Maria Rita ao longo dos 32 anos de carreira fonográfica do compositor. Contudo, ao revisar sua obra com apuro, o artista dá nova vida a velhas canções, viajando no tempo com propriedade e sofisticação. Que horas não são?

lurian disse...

Mauro você esqueceu de citar a presença da Katia B. no disco. Ela que vem sempre gravando Ramil quando nem Ney, nem muitos outros estavam atentos à obra dele.

Mauro Ferreira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mauro Ferreira disse...

Lurian, de fato, não mencionei no texto a presença de Katia. Mas uma resenha não tem a obrigação de listar todas as faixas e/ou participações de um disco. O texto está bem completo. É um disco duplo, com 32 faixas e muitos convidados. Não dá para falar de tudo e todos. Abs, MauroF

Rafael disse...

A capa é linda!!!

Anônimo disse...

Para um cara que gosta muito do Vitor Ramil, esse texto é perfeito.
Parabéns Mauro!

lurian disse...

Entendo. A faixa é muito longa nem ouvi toda. No caso me parece que ela só fez backing.
[ ]'s

Fernando disse...

Disco refinado de Vitor Ramil. Poesia e violões exatos dão clima intimista ao álbum que conta com participações de Ney, Bituca, Jorge Drexler. Um disco pra ir absorvendo e sorvendo suas 32 faixas. Destaque para Espaço e Estrela, Estrela.

Fernando disse...

Disco refinado de Vitor Ramil. Poesia e violões exatos dão clima intimista ao álbum que conta com participações de Ney, Bituca, Jorge Drexler. Um disco pra ir absorvendo e sorvendo suas 32 faixas. Destaque para Espaço e Estrela, Estrela.