Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Georges Gachot expõe grandeza do canto de Nana na tela de 'Rio Sonata'

Resenha de documentário musical
Título: Rio Sonata - Nana Caymmi
Diretor: Georges Gachot
Cotação: * * * * 1/2
Em exibição no Festival do Rio
Sessões em 2 de outubro de 2010 (Estação Ipanema, 13h e 17h20m)

"Gente, eu me adoro cantando...", dispara Nana Caymmi, com sua habitual espontaneidade e franqueza, em meio a um jogo de cartas com amigos. A cena é um dos mais bem-humorados takes de Rio Sonata, o documentário sobre a cantora dirigido por Georges Gachot, um francês naturalizado suíço que vem se especializando em retratar intérpretes brasileiros. Cinco anos após enfocar Maria Bethânia no poético Música É Perfume (2005), Gachot expõe na tela toda a grandeza do canto de Nana em um filme muito superior ao seu antecessor. Pontuado por polaróides cariocas de um Rio mais nublado e chuvoso do que ensolarado, o documentário de tons impressionistas perfila a cantora com poesia, sem tirar o foco da personagem principal. Ora em cartaz no Festival do Rio, Rio Sonata entrelaça imagens cariocas com entrevista com Nana, imagens de arquivo, takes de estúdio - feitos durante a gravação do álbum Sem Poupar Coração (2009) - e depoimentos inéditos de Gilberto Gil, Erasmo Carlos, Mart'nália e Milton Nascimento, entre outros ilustres admiradores da cantora. Se a costura é feita em ponto quase convencional, a grandeza do canto de Nana faz toda a diferença e emociona quando explode na tela, da abertura (com Até Pensei, de Chico Buarque) até os créditos finais (com Sorri, a versão de Braguinha para Smile, de Charles Chaplin). Entre um momento e outro, Gachot consegue transpor para essa tela, ao longo de 84 minutos, uma personagem tão ímpar quanto sua voz. "Nana mistura o amor com a Arte", dá a pista Erasmo, comparando a colega brasileira com a norte-americana Billie Holiday (1915 - 1959) pela intensa vivência posta por ambas em suas viscerais interpretações. O Tremendão tocou no ponto certo, como os olhos marejados de Nana ao interpretar Medo de Amar (Vinicius de Moraes) - numa bela tomada feita em estúdio, em close - já tinham sinalizado no começo do filme. O que não estava tão claro, mas fica no filme, é a intensa ligação de Nana com o irmão Dori Caymmi, aprofundada em termos profissionais quando a cantora  iniciou sua carreira profissional em 1966. "Dori é uma pessoa-chave na minha vida", reitera Nana, que se sagrou vitoriosa ao defender Saveiros no I Festival Internacional da Canção, em 1966, porque Dori bateu pé firme na escolha de sua irmã para interpretar sua célebre parceria com Nelson Motta. "O Nelson queria a Elis Regina", entrega Dori no filme arquitetado por Gachot desde 2004. Vem da época dos festivais, a propósito, a imagem mais rara e antiga do documentário, que mostra generoso trecho da interpretação de Bom Dia, música entoada por Nana ao lado do violão do então marido Gilberto Gil  no III Festival da Música Popular Brasileira, em 1967. "Muita gente acha que eu compus a música e deixei a Nana assiná-la comigo, mas Bom Dia é uma música mais da Nana do que minha", enfatiza, generoso, Gil, na época no olho do furacão tropicalista que não arrastou Nana. "Não sou cantora de movimentos. Não achei graça no Tropicalismo. E não o entendi até hoje", dispara Nana, em outro take espirituoso que provoca o riso do espectador. Contudo, Rio Sonata mais emociona do que faz rir. A evocação do universo da música clássica sugerida pelo título do filme faz todo o sentido quando a personagem retratada na tela é uma artista apaixonada por esse universo - fã doente do pianista Nelson Freire ("Quando ele toca, dói") - que começou a cantar espontaneamente aos dois anos, estudou música já aos quatro, casou com 18 e se jogou de corpo e alma na profissão de cantora aos 25. "Eu não vivo sem música", sentencia Nana já no começo do documentário. Entre frases que ajudam a entender a personalidade da cantora ("Não funciono com barulho"), de humor oscilante, Rio Sonata a mostra cantando temas como Na Rua, na Chuva, na Fazenda (num show ao ar livre, feito em Sorocaba em 2007), Sem Você (no palco dividido com Tom Jobim), Cais (com Milton Nascimento) e Atrás da Porta. Tudo que é afirmado na tela é corroborado pela grandeza dessas interpretações. E um dos números musicais, Requebre que Eu Dou um Doce, cantado informalmente com Miúcha e Maria Bethânia no camarim do show Brasileirinho, é a deixa para o arremate que enfatiza a música e a importância do pai e mestre Dorival Caymmi (1914 - 2008) na vida e obra da filha que estreou em disco com a gravação de Acalanto. Tudo faz sentido ao final - até a sequência em que se ouve Não se Esqueça de mim com o foco na tristeza da população pobre e anônima que não aparece nos cartões-postais do Rio. Por mais que o diretor perca a mão por breves momentos (como quando insere imagens dispensáveis de recente show de Mart'nália durante o depoimento da filha de Martinho da Vila), o resultado é tocante porque a alma e a Arte da cantora enfocada preenchem a tela - e parecem até saltar dela - em vários momentos desta sonata que faz justiça à voz da carioca Nana Caymmi.

3 comentários:

Mauro Ferreira disse...

"Gente, eu me adoro cantando...", dispara Nana Caymmi, com sua habitual espontaneidade e franqueza, em meio a um jogo de cartas com amigos. A cena é um dos mais bem-humorados takes de Rio Sonata, o documentário sobre a cantora dirigido por Georges Gachot, um francês naturalizado suíço que vem se especializando em retratar intérpretes brasileiros. Cinco anos após enfocar Maria Bethânia em Música É Perfume (2005), Gachot expõe na tela toda a grandeza do canto de Nana num filme bem superior ao seu antecessor. Pontuado por polaróides cariocas de um Rio mais nublado e chuvoso do que ensolarado, o documentário de tons impressionistas perfila a cantora com poesia, sem tirar o foco da personagem principal. Ora em cartaz no Festival do Rio, Rio Sonata entrelaça imagens cariocas com entrevista com Nana, imagens de arquivo, takes de estúdio - feitos durante a gravação do álbum Sem Poupar Coração (2009) - e depoimentos de Gilberto Gil, Erasmo Carlos, Mart'nália e Milton Nascimento, entre outros ilustres admiradores da cantora. Se a costura é feita em ponto quase convencional, a grandeza do canto de Nana faz toda a diferença e emociona quando explode na tela, da abertura (com Até Pensei, de Chico Buarque) até os créditos finais (com Sorri, a versão de Braguinha para Smile, de Charles Chaplin). Entre um momento e outro, Gachot consegue transpor para a tela, ao longo de 84 minutos, uma personagem tão ímpar quando sua voz.

Mauro Ferreira disse...

"Nana mistura o amor com a Arte", dá a pista Erasmo, comparando a colega brasileira com a norte-americana Billie Holiday (1915 - 1959) pela intensa vivência posta por ambas em suas viscerais interpretações. O Tremendão tocou no ponto certo, como os olhos marejados de Nana ao interpretar Medo de Amar (Vinicius de Moraes) - numa bela tomada feita em estúdio, em close - já tinham sinalizado no começo do filme. O que não estava tão claro, mas fica no filme, é a intensa ligação de Nana com o irmão Dori Caymmi, aprofundada em termos profissionais quando a cantora iniciou sua carreira profissional em 1966. "Dori é uma pessoa-chave na minha vida", reitera Nana, que se sagrou vitoriosa ao defender Saveiros no I Festival Internacional da Canção, em 1966, porque Dori bateu pé firme na escolha de sua irmã para interpretar sua parceria com Nelson Motta. "O Nelson queria a Elis Regina", entrega Dori no filme arquitetado por Gachot desde 2004. Vem da época dos festivais, a propósito, a imagem mais rara e antiga do documentário, que mostra generoso trecho da interpretação de Bom Dia, música entoada por Nana ao lado do violão do então marido Gilberto Gil no III Festival da Música Popular Brasileira, em 1967. "Muita gente acha que eu compus a música e deixei a Nana assiná-la comigo, mas Bom Dia é uma música mais da Nana do que minha", enfatiza, generoso, Gil, na época no olho do furacão tropicalista que não arrastou Nana. "Não sou cantora de movimentos. Não achei graça no Tropicalismo. E não o entendi até hoje", dispara Nana, em outro take espirituoso que provoca o riso do espectador. Contudo, Rio Sonata mais emociona do que faz rir. A evocação do universo da música clássica sugerida pelo título do filme faz todo o sentido quando a personagem retratada na tela é uma artista apaixonada por esse universo - fã doente do pianista Nelson Freire ("Quando ele toca, dói") - que começou a cantar espontaneamente aos dois anos, estudou música já aos quatro, casou com 18 e se jogou de corpo e alma na profissão de cantora aos 25. "Eu não vivo sem música", sentencia Nana já no começo do documentário. Entre frases que ajudam a entender a personalidade da cantora ("Não funciono com barulho"), de humor oscilante, Rio Sonata a mostra cantando temas como Na Rua, na Chuva, na Fazenda (num show ao ar livre, feito em Sorocaba em 2007), Sem Você (no palco dividido com Tom Jobim), Cais (com Milton Nascimento) e Atrás da Porta. Tudo que é afirmado na tela é corroborado pela grandeza dessas interpretações. E um dos números musicais, Requebre que Eu Dou um Doce, cantado informalmente com Miúcha e Maria Bethânia no camarim do show Brasileirinho, é a deixa para o arremate que enfatiza a música e a importância do pai e mestre Dorival Caymmi (1914 - 2008) na vida e obra da filha que estreou em disco com a gravação de Acalanto. Tudo faz sentido ao final - até a sequência em que se ouve Não se Esqueça de mim com o foco na tristeza da população pobre e anônima que não aparece nos cartões-postais do Rio. Por mais que o diretor perca a mão por breves momentos (como quando insere imagens dispensáveis de recente show de Mart'nália durante o depoimento da filha de Martinho da Vila), o resultado é tocante porque a alma e a Arte da cantora enfocada preenchem a tela - e parecem até saltar dela - em vários momentos desta sonata que faz jus à voz visceral da carioca Nana Caymmi

Italo Lomba disse...

É de total mau gosto o filme Rio Sonata de Georges Gachot. Dizem que foi uma homenagem a Nana Caymmi. Aí eu me pergunto: como seria um filme de desmerecimento? Acredito que ninguém, em sã consciência pode concordar que este filme seja uma homenagem.
Os depoimentos são péssimos. Com tanta declaração interessante sobre a Nana, ele resolveu mostrar as piores. Não é possível acreditar que aquele depoimento do Milton Nascimento seja o melhor, que ele tenha conseguido falar sobre a Nana até hoje. Colocou depoimentos da Nana falando palavrões, tudo bem que sabemos desta sua vertente, mas a quantidade de palavrões foi desnecessária, não precisava tanto para mostrar esta característica. Faltou elegância para mostrar a intimidade da artista que se apresenta de forma sublime ao lado do piano ilustre de Tom Jobim, aliás, a única imagem que salva o filme, porque assim como a fotografia, a luz é medíocre.
Não bastasse isto, ele consegue enfiar, com licença do termo, mas é o mais adequado para aquele depoimento infame da Mart´nália. Nada faz sentido naquele momento, pois não existe qualquer conexão entre as duas. Além disto, a Nana é filmada dentro de carros em movimento, com a câmera tremendo, onde ela mesma não acredita que aquilo seja possível, e ela tem razão, pois o resultado é o pior possível. Não satisfeito com isto, ele resolve filmar em dias de chuva, em engarrafamentos, em locações pobres, enfim, ele mostra tudo que o Rio tem de ruim. Se era para mostrar o Rio daquela maneira, não precisava usá-lo como locação.
O que se pode concluir de tudo isto é que o cineasta odeia o Rio, e nutre pelo Brasil uma inveja profunda por ter o privilégio de ser capar de produzir uma cantora como Nana Caymmi. É uma pena.