Mauro Ferreira no G1

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sábado, 23 de outubro de 2010

Caixa 'Primeiras Andanças' refaz passos iniciais de Beth rumo ao samba

Resenha de caixa de CDs
Título: Primeiras Andanças - Os 10 Primeiros Anos

Artista: Beth Carvalho
Gravadora: Discobertas
Cotação: * * * * *

Embora já frequentasse rodas de samba desde o início dos anos 60 e já gravasse discos desde 1965,  Beth Carvalho somente começou a marcar - de fato - sua identidade no mundo do samba a partir do lançamento de seu segundo álbum, Canto por um Novo Dia (1973). Antes, a cantora carioca transitou pelos redutos elitistas da Bossa Nova e pelo universo nacionalista dos festivais da canção. Tais passos iniciais são minuciosamente reconstituídos pelo produtor e pesquisador musical Marcelo Fróes na essencial caixa Primeiras Andanças - Os 10 Primeiros Anos, que embala duas coletâneas - com 29 gravações avulsas dessa digna caminhada seminal de Beth - e os três seminais álbuns de samba lançados por Beth na extinta gravadora Tapecar entre 1973 e 1975. Por mais que boa parte desses fonogramas já tivesse sido editado de forma dispersa nas compilações da artista produzidas em intervalos regulares pela  gravadora EMI Music, eles nunca tinham sido documentados e contextualizados como no box produzido por Fróes para seu selo Discobertas. Cada coletânea traz um texto diferente - escrito a partir de entrevista feita com Beth pelo pesquisador - que permite que o ouvinte entenda, por exemplo, como a cantora chegou a gravar, em 1965, um compacto bossa-novista para a RCA com arranjos de Eumir Deodato para as músicas Namorinho (Mário de Castro e Athayde) e Por Quem Morreu de Amor (Roberto Menescal e Roberto Bôscoli). Entre as raridades de Primeiras Andanças - Vol. 1 (Anos 60), figuram os dois duetos feitos por Beth com o cantor Agostinho dos Santos (1932 - 1973) para um LP de Santos, Música Nossa, editado em 1967 pela extinta gravadora Codil. Há também a primeira das bissextas incursões de Beth no terreno da composição, Guerra de um Poeta, uma parceria com Paulinho Tapajós, gravada no já raro LP III Festival Internacional da Canção Vol. 1, de 1968. Por sua vez, Primeiras Andanças - Vol. 2 (Anos 70) começa a traçar o envolvimento crescente de Beth com o mundo do samba carioca - embora ainda traga alguns fonogramas ligados ao universo da MPB propagada nos festivais dos anos 60, caso de Geração 70, tema de Taiguara, gravada pela cantora com o compositor ao piano. Uma das raridades é Essa Passou, única parceria de Chico Buarque com Carlos Lyra, dada de presente a Beth pelo próprio Chico para compacto gravado com o grupo Som Três em 1971 - ano em que Clara Nunes (1942 - 1983) ascende como sambista na  Odeon (em imagem arquitetada pelo produtor e radialista Adelzon Alves), fechando involuntariamente o caminho de Beth na gravadora, da qual a cantora se despede com a gravação do samba-enredo Rio Grande do Sul na Festa do Preto Forro, alocado em compacto editado em 1972. Por já ter Clara despontando como sambista, a Odeon recusa a proposta de Beth de gravar um LP de samba - com o qual a artista já estava totalmente envolvida. Beth parte então para a hoje extinta Tapecar, a gravadora nacional fundada pelo espanhol Manuel Camero, o Manolo, figura fundamental na indústria fonográfica dos anos 70 e 80. Nessa pequena companhia, que também abrigaria Elza Soares entre 1974 e 1977, Beth gravou os álbuns Canto por um Novo Dia (1973), Pra seu Governo (1974) e Pandeiro e Viola (1975). Embora já tivessem sido relançados em formato digital, os três álbuns - que sedimentaram a opção da cantora pelo samba - ganham na caixa reedições definitivas, com som remasterizado, a reprodução da arte gráfica original e textos que contextualizam a feitura de cada disco. Ainda que voltado para o samba, Canto por um Novo Dia não é um trabalho típico do gênero por conta dos arranjos do pianista César Camargo Mariano. O destaque do repertório é Folhas Secas, o samba de Nelson Cavaquinho (1911 - 1986) e Guilherme de Brito (1922 - 2006), dado por Nelson a Beth, mas gravado à revelia da sambista por Elis Regina (1945 - 1982), que ouviu Folhas Secas por intermédio de Mariano (a atitude da Pimentinha causou um mal-estar - nunca superado - com Beth). Na sequência, Pra seu Governo - arranjado por Paulo Moura e Orlando Silveira - ambienta enfim Beth no mundo do samba mais tradicional. O sucesso nacional de 1800 Colinas (Gracia do Salgueiro) deu projeção a um disco que irmanava no repertório bons sambas como Maior É Deus (Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro). Detalhe luxuoso: Nelson Cavaquinho toca violão em Miragem, sua pouco conhecida  parceria com Guilherme de Brito, gravada por Beth com arranjo que remete ao som dos antigos conjuntos regionais (Cavaquinho e Brito assinam também no disco Falência, outro título obscuro da nobre parceria). Por fim, Pandeiro e Viola encerra com brilho a trilogia de Beth Carvalho na Tapecar. Sob a direção musical de Ed Lincoln, um dos reis dos bailes nos anos 60,  Beth gravou sambas de Ivone Lara (Amor sem Esperança, uma das primeiras parcerias da dama imperial com Délcio Carvalho), Noel Rosa (Onde Está a Honestidade?), Gracia do Salgueiro (Pandeiro e Viola, tema que deu título ao álbum) e Martinho da Vila (Enamorada do Sambão, o hit radiofônico do disco). A atual  reedição de Pandeiro e Viola incorpora, como faixas-bônus, Alegria (Quincas e Claudemiro) e Pesquisa (Geraldo Neves), sobras do álbum, lançadas pela Tapecar em coletânea de 1977, ano em que Beth - então contratada desde 1976 pela RCA, gravadora multinacional na qual permaneceria até 1987 - já vivia o início de seu auge artístico e comercial, se tornando, a partir de então, uma referência e garantia de qualidade no samba.

4 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Embora já frequentasse rodas de samba desde o início dos anos 60 e já gravasse discos desde 1965, Beth Carvalho somente começou a marcar - de fato - sua identidade no mundo do samba a partir do lançamento de seu segundo álbum, Canto por um Novo Dia (1973). Antes, a cantora carioca transitou pelos redutos elitistas da Bossa Nova e pelo universo nacionalista dos festivais da canção. Tais passos iniciais são minuciosamente reconstituídos pelo produtor e pesquisador musical Marcelo Fróes na essencial caixa Primeiras Andanças - Os 10 Primeiros Anos, que embala duas coletâneas - com 29 gravações avulsas dessa digna caminhada seminal de Beth - e os três seminais álbuns de samba lançados por Beth na extinta gravadora Tapecar entre 1973 e 1975. Por mais que boa parte desses fonogramas já tivesse sido editado de forma dispersa nas compilações da artista produzidas em intervalos regulares pela gravadora EMI Music, eles nunca tinham sido documentados e contextualizados como no box produzido por Fróes para seu selo Discobertas. Cada coletânea traz um texto diferente - escrito a partir de entrevista feita com Beth pelo pesquisador - que permite que o ouvinte entenda, por exemplo, como a cantora chegou a gravar, em 1965, um compacto bossa-novista para a RCA com arranjos de Eumir Deodato para as músicas Namorinho (Mário de Castro e Athayde) e Por Quem Morreu de Amor (Roberto Menescal e Roberto Bôscoli). Entre as raridades de Primeiras Andanças - Vol. 1 (Anos 60), figuram os dois duetos feitos por Beth com o cantor Agostinho dos Santos (1932 - 1973) para um LP de Santos, Música Nossa, editado em 1967 pela extinta gravadora Codil. Há também a primeira das bissextas incursões de Beth no terreno da composição, Guerra de um Poeta, uma parceria com Paulinho Tapajós, gravada no já raro LP III Festival Internacional da Canção Vol. 1, de 1968. Por sua vez, Primeiras Andanças - Vol. 2 (Anos 70) começa a traçar o envolvimento crescente de Beth com o mundo do samba carioca - embora ainda traga alguns fonogramas ligados ao universo da MPB propagada nos festivais dos anos 60, caso de Geração 70, tema de Taiguara, gravada pela cantora com o compositor ao piano. Uma das raridades é Essa Passou, única parceria de Chico Buarque com Carlos Lyra, dada de presente a Beth pelo próprio Chico para compacto gravado com o grupo Som Três em 1971 - ano em que Clara Nunes (1942 - 1983) ascende como sambista na Odeon (em imagem arquitetada pelo produtor e radialista Adelzon Alves), fechando involuntariamente o caminho de Beth na gravadora, da qual a cantora se despede com a gravação do samba-enredo Rio Grande do Sul na Festa do Preto Forro, alocado em compacto editado em 1972. Por já ter Clara despontando como sambista, a Odeon recusa a proposta de Beth de gravar um LP de samba - com o qual a artista já estava totalmente envolvida.

Mauro Ferreira disse...

Beth parte então para a hoje extinta Tapecar, a gravadora nacional fundada pelo espanhol Manuel Camero, o Manolo, figura fundamental na indústria fonográfica dos anos 70 e 80. Nessa pequena companhia, que também abrigaria Elza Soares entre 1974 e 1977, Beth gravou os álbuns Canto por um Novo Dia (1973), Pra seu Governo (1974) e Pandeiro e Viola (1975). Embora já tivessem sido relançados em formato digital, os três álbuns - que sedimentaram a opção da cantora pelo samba - ganham na caixa reedições definitivas, com som remasterizado, a reprodução da arte gráfica original e textos que contextualizam a feitura de cada disco. Ainda que voltado para o samba, Canto por um Novo Dia não é um trabalho típico do gênero por conta dos arranjos do pianista César Camargo Mariano. O destaque do repertório é Folhas Secas, o samba de Nelson Cavaquinho (1911 - 1986) e Guilherme de Brito (1922 - 2006), dado por Nelson a Beth, mas gravado à revelia da sambista por Elis Regina (1945 - 1982), que ouviu Folhas Secas por intermédio de Mariano (a atitude da Pimentinha causou um mal-estar - nunca superado - com Beth). Na sequência, Pra seu Governo - arranjado por Paulo Moura e Orlando Silveira - ambienta enfim Beth no mundo do samba mais tradicional. O sucesso nacional de 1800 Colinas (Gracia do Salgueiro) deu projeção a um disco que irmanava no repertório bons sambas como Maior É Deus (Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro). Detalhe luxuoso: Nelson Cavaquinho toca violão em Miragem, sua pouco conhecida parceria com Guilherme de Brito, gravada por Beth com arranjo que remete ao som dos antigos conjuntos regionais (Cavaquinho e Brito assinam também no disco Falência, outro título obscuro da nobre parceria). Por fim, Pandeiro e Viola encerra com brilho a trilogia de Beth Carvalho na Tapecar. Sob a direção musical de Ed Lincoln, um dos reis dos bailes nos anos 60, Beth gravou sambas de Ivone Lara (Amor sem Esperança, uma das primeiras parcerias da dama imperial com Délcio Carvalho), Noel Rosa (Onde Está a Honestidade?), Gracia do Salgueiro (Pandeiro e Viola, tema que deu título ao álbum) e Martinho da Vila (Enamorada do Sambão, o hit radiofônico do disco). A atual reedição de Pandeiro e Viola incorpora, como faixas-bônus, Alegria (Quincas e Claudemiro) e Pesquisa (Geraldo Neves), sobras do álbum, lançadas pela Tapecar em coletânea de 1977, ano em que Beth - então contratada desde 1976 pela RCA, gravadora multinacional na qual permaneceria até 1987 - já vivia o início de seu auge artístico e comercial, se tornando, a partir de então, uma referência e garantia de qualidade no samba.

Chico da Portela disse...

Beth é um exemplo de sambista de mão cheia, nunca se pendeu para o popularesco e sempre se manteve fiel ao SAMBA. Seus repertórios são de longe os melhores entre as cantoras do gênero. Infelizmente, algumas outras não seguiram o mesmo caminho e optaram pelo romântico-sexual-anatômico, manchando as carreiras e perdendo a raiz do samba.

Marcelo Barbosa disse...

Meu caro Chico,

Bem vindo ao Notas Musicais! Muito legal a sua presença aqui. É mais um do Galeria do Samba que adentra este seleto blog. Abração e cuidado, pois tem gente que te adora aqui. rs

Marcelo Barbosa - Brasília (DF)