Mauro Ferreira no G1

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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

'Gal Total' mostra como Gal foi plural em seu auge na gravadora Philips

Resenha de caixa de CDs
Título: Gal Total

Artista: Gal Costa
Gravadora: Universal Music
Cotação: * * * * 1/2

Nome de disco revigorante lançado por Gal Costa em 1990, Plural seria um título bem mais adequado para a caixa que embala 14 dos 17 álbuns lançados pela cantora entre 1967 e 1983 na extinta gravadora Philips (cujo acervo foi encampado pela Universal Music em 1999). Até porque, contrariando seu nome, a caixa Gal Total exclui os álbuns coletivos Tropicália ou Panis et Circensis (1968), Temporada de Verão - Ao Vivo na Bahia (1974) e Os Doces Bárbaros (1976). Apesar das  omissões, Gal Total faz, enfim, justiça à obra áurea de Gal Costa. A excelência da remasterização realizada por Ricardo Carvalheira, no Autorall Studio, devolveu a vida ao som dos discos - chapado nas duas reedições anteriores da obra de Gal na Philips, produzidas em 1993 (na precária série Colecionador) e em 2000. Da mesma forma, o tratamento gráfico -   já decente nos relançamentos de 2000 - resultou ainda mais cuidadoso, reproduzindo no encarte toda a arte visual dos LPs originais e as letras das músicas. Mérito do pesquisador musical Marcelo Fróes, produtor e idealizador dessa caixa que embala discos de uma fase divina, maravilhosa e plural da discografia da cantora. A pluralidade é atestada já no confronto do primeiro álbum de Gal - Domingo (1967), dividido com Caetano Veloso, arranjado por Dori Caymmi e moldado com devoção às lições do mestre João Gilberto - com o segundo, Gal Costa (1969)  gravado em 1968, no olho do furacão tropicalista, mas lançado somente no início do ano seguinte. Sob as leis da Tropicália, Gal Costa cruzou informações do iê-iê-iê da época com temas regionalistas (Sebastiana, sucesso de Jackson do Pandeiro, gravado em dueto com Gilberto Gil) em disco efervescente que lançou Não Identificado (Caetano Veloso) e incluiu antológicas gravações de Baby e Divino Maravilhoso.  Na sequência, ainda em 1969, a cantora mergulhou fundo na onda psicodélica da época com Gal (1969), álbum de espírito roqueiro que contou com as guitarras viajantes de Lanny Gordin, trouxe a gravação original de Meu Nome É Gal (presente de Roberto Carlos e Erasmo Carlos) e fez sucesso com País Tropical (em registro que uniu o canto juvenil de Gal às vozes de Caetano Veloso e Gilberto Gil, gravadas antes de eles serem forçados a se exilar em Londres). Diz a lenda que foi ouvindo gravações como a de Cinema Olympia que Elis Regina (1945 - 1982), então presa à MPB mais tradicional, deu a virada pop iniciada no álbum Em Pleno Verão... (1970). Sim, Gal era a tal em 1970 e - com Gil e Caetano exilados - seguiu carregando a bandeira da contracultura em Legal (1970), disco produzido por Manoel Barenbein com arranjos de base de Jards Macalé e Lanny Gordin. O repertório antenado de Legal destacou London London, dada por Caetano em Londres - numa das visitas de Gal aos amigos - e lançada antes em compacto. Embora menos psicodélico do que GalLegal manteve a cantora como a musa da contracultura. Posto sedimentado com Fa-Tal  - Gal a Todo Vapor (1971), o duplo disco ao vivo produzido por Paulo Lima sob a direção de Waly Salomão (1943 - 2003). É o disco em que Gal lança Luiz Melodia (Pérola Negra), eterniza Vapor Barato (Jards Macalé e Waly Salomão) e canta Novos Baianos (Dê um Rolê) antes da consagração do grupo com o álbum Acabou Chorare (1972). Em seguida, Índia (1973) - disco inspirado no show homônimo e gravado sob a direção musical de Gil - destacou a regravação da guarânia paraguaia (lançada no Brasil pela dupla Cascatinha e Inhana em 1952) que deu nome ao bom álbum. Reembalada em  monumental arranjo de cordas arquitetado pelo maestro Rogério Duprat (1932 - 2006), Índia ficaria desde então associada também ao nome de Gal, mas o sucesso do disco foi Presente Cotidiano, inédita ofertada por um grato Luiz Melodia. Índia, o álbum, ainda reverbera ecos tropicalistas, mas foi trabalho de transição que  aprontou o  terreno para a modernidade atemporal de Cantar (1974), disco produzido por Caetano Veloso e Perinho Albuquerque. Urdido fora da estética tropicalista, Cantar aproxima a artista de João Donato, com quem Gal gravou A Rã, Flor de Maracujá, Até Quem Sabe e a menos conhecida Chululu. Caetano contribuiu para o repertório com músicas então inéditas como Lua, Lua, Lua, Lua. Mas veio da lavra de Gil o tema, Barato Total, que daria projeção ao disco e ficaria eternamente associado ao canto de Gal. Na sequência, no embalo do estouro de sua gravação de Modinha para Gabriela, veiculada em 1975 na abertura da novela Gabriela, a cantora dedicou disco ao repertório de Dorival Caymmi (1914 - 2008) quando o mercado ainda não estava habituado com songbooks do gênero. Gal Canta Caymmi (1976) - encaixotado em Gal Total sem a capa e o encarte originais por questões jurídicas - resiste bem ao tempo por conta dos arranjos de João Donato e Perinho Albuquerque, que embalaram o cancioneiro de Caymmi com respeito à obra, porém sem excessiva devoção à sonoridade clássica da música do mestre. Em seguida, sempre plural, Gal voltou no tempo e reavivou sua alma roqueira num show, Com a Boca no Mundo (1977), que originou o álbum Caras & Bocas, ainda hoje injustiçado. O hit imediato foi Tigresa (Caetano Veloso), mas, com o tempo, Negro Amor (versão de Caetano e Péricles Cavalcanti para um tema de Bob Dylan, It's All Over Now, Baby Blue) se tornaria cult como este disco em que a cantora lançou Marina Lima (Meu Doce Amor). Na sequência, Gal abandonou a pegada roqueira e fez um disco enraizado no mainstream da MPB. Água Viva (1978) juntou pela primeira vez o canto cristalino de Gal a uma música de Chico Buarque, Folhetim,  hit radiofônico do LP em que a cantora gravou a primeira parceria de Milton Nascimento com Caetano Veloso (Paula e Bebeto) e reviveu um sucesso de Dalva de Oliveira (1917 - 1972), Olhos Verdes (Vicente Paiva). Estava preparado o terreno para a construção da fase tropical. Gal Tropical (1979), o disco, foi o registro de estúdio do show homônimo que deu a Gal o sucesso comercial que seus discos da fase tropicalista, a rigor, nunca tinham lhe dado. Balancê - marchinha de Braguinha (1907 - 2006) lançada em 1937 por Carmen Miranda (1909 - 1955) sem repercussão - foi o grande estouro de um disco que alinhava no repertório regravações de Força Estranha, Noites Cariocas, Estrada do Sol, Índia, Juventude Transviada e Meu Nome É Gal. Como o sucesso de Gal Tropical se estendeu ao longo de 1980, gravar um songbook de Ary Barroso (1903 - 1964), Aquarela do Brasil (1980), foi a saída encontrada por Gal para cumprir a obrigação contratual do disco anual e ganhar tempo para juntar o repertório de Fantasia (1981), lançado antes em show malhado pela crítica. Apesar de seguir a fórmula tropical do trabalho anterior e de já recorrer aos sons sintetizados que dariam o tom dos discos de MPB feitos nos anos 80, Fantasia continua sendo um dos melhores álbuns de Gal pela qualidade do repertório que destacou Festa do Interior (o frevo-quadrilha de Moraes Moreira e Abel Silva, sucesso radiofônico), Meu Bem, Meu Mal (canção de Caetano Veloso), Roda Baiana (samba de Ivan Lins e Vítor Martins, compositores até então nunca gravados por Gal), Canta Brasil (antigo samba-exaltação David Nasser e Alcyr Pires Vermelho) e O Amor (Caetano Veloso e Ney Costa Santos sob poema de Vladimir Maiakovski) - sem falar nas duas pérolas de Djavan, Açaí e Faltando um Pedaço, gravadas por Gal de forma definitiva. Mas o fato é que a receita tropical já não soou tão saborosa no posterior Minha Voz (1982), apesar do sucesso do frevo Bloco do Prazer (Moraes Moreira e Fausto Nilo) e da canção Azul (de Djavan, compositor recorrente na discografia de Gal nos anos 80). Já pausterizado, Baby Gal (1983) fechou melancolicamente a passagem de Gal pela Philips. Guiada pela luz de seu cristal e pelo conceito de seus produtores (Caetano Veloso, Manoel Berenbeim,Waly Salomão, Gilberto Gil, Perinho Albuquerque, Roberto Menescal e Guilherme Araújo, hábil empresário que interferiu decisivamente na produção dos discos da fase tropical), Gal Costa foi divina e maravilhosamente plural em seu auge na Philips.

3 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Nome de disco revigorante lançado por Gal Costa em 1990, Plural seria um título bem mais adequado para a caixa que embala 14 dos 17 álbuns lançados pela cantora entre 1967 e 1983 na extinta gravadora Philips (cujo acervo foi encampado pela Universal Music em 1999). Até porque, contrariando seu nome, a caixa Gal Total exclui os álbuns coletivos Tropicália ou Panis et Circensis (1968), Temporada de Verão - Ao Vivo na Bahia (1974) e Os Doces Bárbaros (1976). Apesar das omissões, Gal Total faz, enfim, justiça à obra áurea de Gal Costa. A excelência da remasterização realizada por Ricardo Carvalheira, da empresa Autorall, devolveu a vida ao som dos discos - chapado nas duas reedições anteriores da obra de Gal na Philips, produzidas em 1993 (na precária série Colecionador) e em 2000. Da mesma forma, o tratamento gráfico - já decente nos relançamentos de 2000 - resultou ainda mais cuidadoso, reproduzindo no encarte toda a arte visual dos LPs originais e as letras das músicas. Mérito do pesquisador musical Marcelo Fróes, produtor e idealizador dessa caixa que embala discos de uma fase divina, maravilhosa e plural da discografia da cantora. A pluralidade é atestada já no confronto do primeiro álbum de Gal - Domingo (1967), dividido com Caetano Veloso, arranjado por Dori Caymmi e moldado com devoção às lições do mestre João Gilberto - com o segundo, Gal Costa (1969) gravado em 1968, no olho do furacão tropicalista, mas lançado somente no início do ano seguinte. Sob as leis da Tropicália, Gal Costa cruzou informações do iê-iê-iê da época com temas regionalistas (Sebastiana, sucesso de Jackson do Pandeiro, gravado em dueto com Gilberto Gil) em disco efervescente que lançou Não Identificado (Caetano Veloso) e incluiu antológicas gravações de Baby e Divino Maravilhoso. Na sequência, ainda em 1969, a cantora mergulhou fundo na onda psicodélica da época com Gal (1969), álbum de espírito roqueiro que contou com as guitarras viajantes de Lanny Gordin, trouxe a gravação original de Meu Nome É Gal (presente de Roberto Carlos e Erasmo Carlos) e fez sucesso com País Tropical (em registro que uniu o canto juvenil de Gal às vozes de Caetano Veloso e Gilberto Gil, gravadas antes de eles serem forçados a se exilar em Londres). Diz a lenda que foi ouvindo gravações como a de Cinema Olympia que Elis Regina (1945 - 1982), então presa à MPB mais tradicional, deu a virada pop iniciada no álbum Em Pleno Verão... (1970). Sim, Gal era a tal em 1970 e - com Gil e Caetano exilados - seguiu carregando a bandeira da contracultura em Legal (1970), disco produzido por Manoel Barenbein com arranjos de base de Jards Macalé e Lanny Gordin. O repertório antenado de Legal destacou London London, dada por Caetano em Londres - numa das visitas de Gal aos amigos - e lançada antes em compacto. Embora menos psicodélico do que Gal, Legal manteve a cantora como a musa da contracultura. Posto sedimentado com Fa-Tal - Gal a Todo Vapor (1971), o duplo disco ao vivo produzido por Paulo Lima sob a direção de Waly Salomão (1943 - 2003). É o disco em que Gal lança Luiz Melodia (Pérola Negra), eterniza Vapor Barato (Jards Macalé e Waly Salomão) e canta Novos Baianos (Dê um Rolê) antes da consagração do grupo com o álbum Acabou Chorare (1972). Em seguida, Índia (1973) - disco inspirado no show homônimo e gravado sob a direção musical de Gil - destacou a regravação da guarânia paraguaia (lançada no Brasil pela dupla Cascatinha e Inhana em 1952) que deu nome ao bom álbum. Reembalada em monumental arranjo de cordas arquitetado pelo maestro Rogério Duprat (1932 - 2006), Índia ficaria desde então associada também ao nome de Gal, mas o sucesso do disco foi Presente Cotidiano, inédita ofertada por um grato Luiz Melodia. Índia, o álbum, ainda reverbera ecos tropicalistas, mas foi trabalho de transição que aprontou o terreno para a modernidade atemporal de Cantar (1974), disco produzido por Caetano Veloso e Perinho Albuquerque.

Mauro Ferreira disse...

Urdido fora da estética tropicalista, Cantar aproxima a artista de João Donato, com quem Gal gravou A Rã, Flor de Maracujá, Até Quem Sabe e a menos conhecida Chululu. Caetano contribuiu para o repertório com músicas então inéditas como Lua, Lua, Lua, Lua. Mas veio da lavra de Gil o tema, Barato Total, que daria projeção ao disco e ficaria eternamente associado ao canto de Gal. Na sequência, no embalo do estouro de sua gravação de Modinha para Gabriela, veiculada em 1975 na abertura da novela Gabriela, a cantora dedicou disco ao repertório de Dorival Caymmi (1914 - 2008) quando o mercado ainda não estava habituado com songbooks do gênero. Gal Canta Caymmi (1976) - encaixotado em Gal Total sem a capa e o encarte originais por questões jurídicas - resiste bem ao tempo por conta dos arranjos de João Donato e Perinho Albuquerque, que embalaram o cancioneiro de Caymmi com respeito à obra, porém sem excessiva devoção à sonoridade clássica da música do mestre. Em seguida, sempre plural, Gal voltou no tempo e reavivou sua alma roqueira num show, Com a Boca no Mundo (1977), que originou o álbum Caras & Bocas, ainda hoje injustiçado. O hit imediato foi Tigresa (Caetano Veloso), mas, com o tempo, Negro Amor (versão de Caetano e Péricles Cavalcanti para um tema de Bob Dylan, It's All Over Now, Baby Blue) se tornaria cult como este disco em que a cantora lançou Marina Lima (Meu Doce Amor). Na sequência, Gal abandonou a pegada roqueira e fez um disco enraizado no mainstream da MPB. Água Viva (1978) juntou pela primeira vez o canto cristalino de Gal a uma música de Chico Buarque, Folhetim, hit radiofônico do LP em que a cantora gravou a primeira parceria de Milton Nascimento com Caetano Veloso (Paula e Bebeto) e reviveu um sucesso de Dalva de Oliveira (1917 - 1972), Olhos Verdes (Vicente Paiva). Estava preparado o terreno para a construção da fase tropical. Gal Tropical (1979), o disco, foi o registro de estúdio do show homônimo que deu a Gal o sucesso comercial que seus discos da fase tropicalista, a rigor, nunca tinham lhe dado. Balancê - marchinha de Braguinha (1907 - 2006) lançada em 1937 por Carmen Miranda (1909 - 1955) sem repercussão - foi o grande estouro de um disco que alinhava no repertório regravações de Força Estranha, Noites Cariocas, Estrada do Sol, Índia, Juventude Transviada e Meu Nome É Gal. Como o sucesso de Gal Tropical se estendeu ao longo de 1980, gravar um songbook de Ary Barroso (1903 - 1964), Aquarela do Brasil (1980), foi a saída encontrada por Gal para cumprir a obrigação contratual do disco anual e ganhar tempo para juntar o repertório de Fantasia (1981), lançado antes em show malhado pela crítica. Apesar de seguir a fórmula tropical do trabalho anterior e de já recorrer aos sons sintetizados que dariam o tom dos discos de MPB feitos nos anos 80, Fantasia continua sendo um dos melhores álbuns de Gal pela qualidade do repertório que destacou Festa do Interior (o frevo-quadrilha de Moraes Moreira e Abel Silva, sucesso radiofônico), Meu Bem, Meu Mal (canção de Caetano Veloso), Roda Baiana (samba de Ivan Lins e Vítor Martins, compositores até então nunca gravados por Gal), Canta Brasil (antigo samba-exaltação David Nasser e Alcyr Pires Vermelho) e O Amor (Caetano Veloso e Ney Costa Santos sob poema de Vladimir Maiakovski) - sem falar nas duas pérolas de Djavan, Açaí e Faltando um Pedaço, gravadas por Gal de forma definitiva. Mas o fato é que a receita tropical já não soou tão saborosa no posterior Minha Voz (1982), apesar do sucesso do frevo Bloco do Prazer (Moraes Moreira e Fausto Nilo) e da canção Azul (de Djavan, compositor recorrente na discografia de Gal nos anos 80). Já pausterizado, Baby Gal (1983) fechou melancolicamente a passagem de Gal pela Philips. Guiada pela luz de seu cristal e pelo conceito de seus produtores (Caetano Veloso, Manoel Berenbeim,Waly Salomão, Gilberto Gil, Perinho Albuquerque, Roberto Menescal e Guilherme Araújo, hábil empresário que interferiu decisivamente na produção dos discos da fase tropical), Gal Costa foi divina e maravilhosamente plural em seu auge na Philips.

Anônimo disse...

Talvez eu não sei nada sobre remasterização mas eu não gosto da remasterização feita por Ricardo Carvalheira (Autorall Studio), acho que é para ser um pouco sufocante - ele se sente apertado.

Eu já ouvi várias canções que aparecem neste conjunto de caixa remasterizado por Luigi Hoffer na Digital Mastering Solutions e foi como se um véu tivesse sido levantado eo som foi autorizado a respirar.

Eu não sou um falante naitive de Português - por favor, perdoe quaisquer erros.