Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


Mostrando postagens com marcador Sergio Vid. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Sergio Vid. Mostrar todas as postagens

sábado, 20 de dezembro de 2014

Vid brilha ao subverter dez temas de Chico para o idioma do rock pesado

Resenha de álbum digital
Título: Rock 'n Chico
Artista: Sergio Vid
Gravadora: Edição digital independente
Cotação: * * * 1/2

 O cancioneiro de Chico Buarque nunca foi regravado com o peso que Sergio Vid dá às dez músicas do compositor carioca recriadas no disco Rock 'n Chico, recém-lançado em formato digital. É um peso literal. Vid (sub)verte as composições - lançadas entre 1968 e 1989 - para o inglês e para o idioma do rock pesado. Neste que é seu melhor disco, Vid vai além do trivial. Em bom português, Vid jamais se limitou a fazer sobressair uma guitarra no arranjo para dar mera pegada roqueira às músicas de Chico. A transformação é radical, mas encanta porque Vid preserva a arquitetura melódica das músicas, sobretudo às das canções. Mulheres de Atenas (Chico Buarque e Augusto Boal, 1976), por exemplo, vira balada à moda do grupo inglês Led Zeppelin com o título de Women of Athens. Olhos nos olhos (1976) gera Eye to eye no registro que remete ao som do trio canadense Rush. Já Retrato em branco e preto (Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque, 1968) fica sombria e com o título Portrait in black and white. O cancioneiro soberano de Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994) nunca soou tão dark. Mas o que cativa em Rock 'n Chico é que houve respeito pela obra do compositor. Em atividade na cena roqueira nacional desde o fim dos anos 1970, década em que foi admitido pelo guitarrista Celso Blues Boy (1956 - 2012) como vocalista da banda Legião Estrangeira, Vid (sub)verte Chico sem que sua desconstrução torne irreconhecível o cancioneiro do artista. Todo ouvinte vai identificar de imediato que I forgive you é Mil perdões (1983), por exemplo. Essa habilidade de desconstruir sem destruir é que torna sedutor esse projeto coerente com a trajetória de um roqueiro carioca que fez sua história ao longo da década de 1980, tendo integrado as bandas Sangue da Cidade (de 1981 a 1983), Bixo da Seda e Vid & Sangue Azul (com a qual sobreviveu aos anos 1990). Surgida em 1999, quando Vid gravou Hino de Duran (1979) em tom pauleira para songbook dedicado à obra de Chico, a ideia de Rock 'n Chico começou a ser concretizada em 2007. Sete anos depois, Vid apresenta este disco em que brilha, inclusive por preservar o sentido original das letras de Chico nas criteriosas versões em inglês. Cálice (Gilberto Gil e Chico Buarque, 1973), por exemplo, se transforma em Grail com naturalidade para uma música já em si imponente e que já tem todo um peso entranhado em sua natureza contestatória. De modo geral, as canções se prestam mais às subversões para o idioma do hard rock. Já o samba Partido alto (1972), por exemplo, parece soar fora do tom e da ordem na versão intitulada If you konw who you are, embora a letra em inglês seja respeitosa. Brejo da cruz (1984), que virou Swamp of the Cross, também perdeu parte de sua força neste disco produzido e arranjado por PH Castanheira (baixo, teclados e Hammond) com Ricardo Marins (guitarra, violão e Hammond). Assim como desaba a beleza harmônica de Morro Dois Irmãos (1989), apresentada como Two brothers hill. Em contrapartida, é impressionante como Deus lhe pague (1971) - vertida para o inglês com o título (May) God reward you - se enquadra com naturalidade na moldura do hard rock. A raiva embutida em seus versos já tem um peso todo próprio. No ano em que o Brasil celebra os 70 anos de vida do compositor, Sergio Vid expande o horizonte dessa obra ao abordar o cancioneiro de Chico Buarque sob um prisma realmente original.