terça-feira, 24 de março de 2015

De seu cabaré 'hot', Mazzer arremessa ótimo disco no império pop liquidação

Resenha de CD
Título: Férias em videotape
Artista: Simone Mazzer
Gravadora: Pimba / Dubas Música
Cotação: * * * * 1/2

"Vou esfregar um tango / No seu jeitinho serenata de encomenda / ... / No seu império pop liquidação". Os versos de Tango do mal (Luciano Salvador Bahia, 2014) já dão a pista do tom passional do canto teatral de Simone Mazzer. Não por acaso, o Tango do mal está alocado na abertura do primeiro álbum da artista, Férias em videotape, como se fosse a carta de princípios musicais de Mazzer. Cantora de Londrina (PR) que milita no universo musical desde 1989, tendo integrado a banda Chaminé Batom na década de 1990, Mazzer se projetou primeiramente como atriz da prestigiada Cia. Armazém de Teatro. A partir de 2012, a artista começou a investir na carreira de cantora fora das fronteiras paranaenses com show em que se revelou, para ouvidos cariocas, grande intérprete. Temporada no teatro Café Pequeno, no Rio de Janeiro (RJ), chamou a atenção de críticos e formadores de opinião, culminando três anos depois com a edição do disco produzido por Leonel Pereda para o selo Pimba, da gravadora Dubas Música. Com repertório baseado no roteiro desse show, o CD é excelente. Embora a cantora se expresse de forma mais plena no palco, até por ser (também) atriz, Férias em videotape confirma o talento de Mazzer, cantora de voz potente e de tons quentes, intérprete perfeita para realçar a teatralidade já originalmente embutida numa música como Parece que bebe (1994), uma das muitas joias de Itamar Assumpção (1949 - 2003), compositor hábil na desconstrução do canto formal com sua obra de prosódia meio falada. Contudo, Mazzer sabe expor a teatralidade das músicas mesmo quando essa dramaticidade está menos aparente, escondida sob levada vivaz. A prova é que ela tira Camisa listrada (Assis Valente, 1939) da cadência bonita do samba para escancarar o drama conjugal da personagem à mercê de marido malandro. Sem anular sua história musical, Mazzer prioriza no disco compositores paranaenses, situados longe demais das capitais. De Robinson Borba, a cantora revive - em clima de flamenco - Mente, mente, música lançada em 1986 na voz de Ney Matogrosso. De Bernardo Pellegrini, Mazzer canta Essa mulher - música em que divide os vocais com a carioca Elza Soares, outra cantora pautada pelos tons da paixão - e Dei um beijo na boca do medo, música que exemplifica o tom de cabaré que pauta o disco e o show de Mazzer. Nesse sentido, a artista segue a trilha aberta no Brasil pela cantora e atriz paulista Cida Moreira, pioneira saloon singer desses trópicos. Não por acaso, há música em comum nos repertórios das artistas. No momento mais óbvio do disco, Mazzer interpreta Back to black (Amy Winehouse e Mark Ronson, 1996), carro-chefe do repertório da cantora inglesa Amy Winehouse (1983 - 2011). Mazzer também nada faz pelo já batido mambo Babalu (Margarita Lecuona, 1939). Férias em videotape soa mais surpreendente quando rebobina o que ainda não é trivial. Mazzer tem voz e personalidade suficientes para se jogar na pista anos 1990 de Hyper Ballad (Björk, Nellee Hooper e Marius De Vries,1995) e, no mesmo disco, iluminar Estrela blue, sensato blues do compositor Maurício Arruda Mendonça. É como se o canto enérgico de Mazzer se situasse entre o sublime e o terror, para parafrasear verso de Você não sacou (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, 1997), música que parece ter sido feita para essa cantora de tons incisivos que somente abre a guarda no fim do disco, imersa na melancolia recitativa da música-título Férias em videotape (Elton Mello, Silvio Ribeiro e Simone Mazzer). Enfim, em outros tempos, este álbum poderia credenciar Simone Mazzer a ocupar lugar nobre no olimpo das cantoras do Brasil. No atual momento, diante da progressiva diluição do mercado fonográfico, pode ser que nada mais aconteça além de elogios entusiasmados da crítica e de reportagens de capa em suplementos culturais dos jornais. De todo modo, o fato é que Simone Mazzer - furacão com voz, personalidade e força para atirar ao vento as dezenas de cantoras do mundinho cool - arremessa um grande álbum, um disco quente como o Brasil, no nativo império  pop  liquidação.

10 comentários:

  1. ♪ "Vou esfregar um tango / No seu jeitinho serenata de encomenda / ... / No seu império pop liquidação". Os versos de Tango do mal (Luciano Salvador Bahia, 2014) já dão a pista do tom passional do canto teatral de Simone Mazzer. Não por acaso, o Tango do mal está alocado na abertura do primeiro álbum da artista, Férias em videotape, como se fosse a carta de princípios musicais de Mazzer. Cantora de Londrina (PR) que milita no universo musical desde 1989, tendo integrado a banda Chaminé Batom na década de 1990, Mazzer se projetou primeiramente como atriz da prestigiada Cia. Armazém de Teatro. A partir de 2012, a artista começou a investir na carreira de cantora fora das fronteiras paranaenses com show em que se revelou, para ouvidos cariocas, grande intérprete. Temporada no teatro Café Pequeno, no Rio de Janeiro (RJ), chamou a atenção de críticos e formadores de opinião, culminando três anos depois com a edição do disco produzido por Leonel Pereda para o selo Pimba, da gravadora Dubas Música. Com repertório baseado no roteiro desse show, o CD é excelente. Embora a cantora se expresse de forma mais plena no palco, até por ser (também) atriz, Férias em videotape confirma o talento de Mazzer, cantora de voz potente e de tons quentes, intérprete perfeita para realçar a teatralidade já originalmente embutida numa música como Parece que bebe (1994), uma das muitas joias de Itamar Assumpção (1949 - 2003), compositor hábil na desconstrução do canto formal com sua obra de prosódia meio falada. Contudo, Mazzer sabe expor a teatralidade das músicas mesmo quando essa dramaticidade está menos aparente, escondida sob levada vivaz. A prova é que ela tira Camisa listrada (Assis Valente, 1939) da cadência bonita do samba para escancarar o drama conjugal da personagem à mercê de marido malandro. Sem anular sua história musical, Mazzer prioriza no disco compositores paranaenses, situados longe demais das capitais. De Robinson Borba, a cantora revive - em clima de flamenco - Mente, mente, música lançada em 1986 na voz de Ney Matogrosso. De Bernardo Pellegrini, Mazzer canta Essa mulher - música em que divide os vocais com a carioca Elza Soares, outra cantora pautada pelos tons da paixão - e Dei um beijo na boca do medo, música que exemplifica o tom de cabaré que pauta o disco e o show de Mazzer. Nesse sentido, a artista segue a trilha aberta no Brasil pela cantora e atriz paulista Cida Moreira, pioneira saloon singer desses trópicos. Não por acaso, há música em comum nos repertórios das artistas. No momento mais óbvio do disco, Mazzer interpreta Back to black (Amy Winehouse e Mark Ronson, 1996), carro-chefe do repertório da cantora inglesa Amy Winehouse (1983 - 2011). Mazzer também nada faz pelo já batido mambo Babalu (Margarita Lecuona, 1939). Férias em videotape soa mais surpreendente quando rebobina o que ainda não é trivial. Mazzer tem voz e personalidade suficientes para se jogar na pista anos 1990 de Hyper Ballad (Björk, Nellee Hooper e Marius De Vries,1995) e, no mesmo disco, iluminar Estrela blue, sensato blues do compositor Maurício Arruda Mendonça. É como se o canto enérgico de Mazzer se situasse entre o sublime e o terror, para parafrasear verso de Você não sacou (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, 1997), música que parece ter sido feita para essa cantora de tons incisivos que somente abre a guarda no fim do disco, imersa na melancolia recitativa da música-título Férias em videotape (Elton Mello, Silvio Ribeiro e Simone Mazzer). Enfim, em outros tempos, este álbum poderia credenciar Simone Mazzer a ocupar lugar nobre no olimpo das cantoras do Brasil. No atual momento, diante da progressiva diluição do mercado fonográfico, pode ser que nada mais aconteça além de elogios entusiasmado da crítica e de reportagens de capa em suplementos culturais dos jornais. De todo modo, o fato é que Simone Mazzer - furacão com voz, personalidade e força para atirar ao vento as dezenas de cantoras do mundinho cool - arremessa um grande disco no império pop liquidação.

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  2. "Back To Black" deve ter ficado sensacional na voz da Simone também. Adoro ela!!!

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  3. Simone é uma excelente cantora. O repertório foi selecionado a dedo, com extremo bom gosto.

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  4. Mauro, poderia informar qual é a relação de faixas desse disco por ordem numérica?

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  5. Consegui a relação de faixas do disco, eis elas:

    1. Tango Do Mal
    2. Essa Mulher Participação: Elza Soares
    3. Estrela Blue
    4. Parece Que Bebe
    5. Camisa Listada
    6. Você Não Sacou
    7. Hyper Ballad
    8. Dei Um Beijo Na Boca Do Medo
    9. Mente Mente
    10. Back To Black
    11. Babalu
    12. Férias Em Videotape

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  6. Nada tenho contra cantoras de personalidade mais cool e contida (e minha favoritíssima entre todas as cantoras pós anos 2000 é uma delas, chama-se Teresa Cristina e continuo com a mesma opinião).

    Mas, com essa profusão de Tiês, Bárbaras Eugênias, Ninas Beckers e outras moças que até cantam bonitinho, mas parecem que estão sob efeito de algum antialérgico e estão morrendo de sono enquanto cantam, confesso que o surgimento de Simone Mazzer, com seu vozeirão de cantora a moda antig, me entusiamou muito mais!

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  7. Nada tenho contra cantoras de personalidade mais cool e contida (e minha favoritíssima entre todas as cantoras pós anos 2000 é uma delas, chama-se Teresa Cristina e continuo com a mesma opinião).

    Mas, com essa profusão de Tiês, Bárbaras Eugênias, Ninas Beckers e outras moças que até cantam bonitinho, mas parecem que estão sob efeito de algum antialérgico e estão morrendo de sono enquanto cantam, confesso que o surgimento de Simone Mazzer, com seu vozeirão de cantora à moda antiga, me entusiasmou muito mais!

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  8. Até que enfim um acontecimento musical protagonizado por uma cantora de verdade!

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  9. Uma cantora de verdade surge no meio do turbilhão de cantoras super valorizadas pela mídia, muitas vezes, comprada!!!!

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  10. Mais uma supervalorizada, muito mais atriz que cantora, com a diferença que ao contrário do batalhão das soporíferas, canta com vigor.
    Achei horrível este Tango do mal, que está tocando na novela.
    Ainda espero o surgimento de uma nova cantora de verdade. Enquanto isso continuo ouvindo as antigas, de grande ou pequena voz.

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