terça-feira, 13 de maio de 2014

Titãs recobram peso ao expor as vísceras da babilônia nativa em 'Nheengatu'

Resenha de CD
Título: Nheengatu
Artista: Titãs
Gravadora: Som Livre
Cotação: * * * * 1/2

E Jesus continua banguela na república dos bananas... Em seu 18º álbum, Nheengatu, os Titãs recuperam o peso e a energia ao perfilar a caótica babilônia brasileira. Lançado esta semana pela gravadora Som Livre, o disco expõe visão crítica do país e seus habitantes em leque temático que se conecta com a virulência de Cabeça dinossauro (Warner Music, 1986) e Jesus não tem dentes no país dos banguelas (Warner Music, 1987). Mesmo sem se impor como obra-prima no confronto com esses dois álbuns clássicos da discografia dos Titãs, Nheengatu tem vigor e uma acidez que corrói a má impressão deixada pelo último álbum de estúdio do grupo (já reduzido a um quarteto formado por Branco Mello, Paulo Miklos, Sergio Britto e Tony Bellotto). Se a banda chegou a soar eventualmente como NX Zero no artificial Sacos plásticos (Arsenal Music / Universal Music, 2009), disco de triste memória empacotado pelo produtor Rick Bonadio, Nheengatu faz os Titãs voltarem a ser Titãs na pegada roqueira do produtor Rafael Ramos. Provável efeito da revisita ao álbum Cabeça dinossauro em 2012, a conexão com o passado glorioso já tinha sido testada com êxito no show Inédito (2013), no qual o grupo apresentou dez das 13 boas inéditas registradas em Nheengatu. Musicalmente, o show é mais pesado. Mas o disco concilia o peso do rock com nuances nos arranjos. Fala, Renata (Tony Bellotto, Paulo Miklos e Sergio Britto) cresce no álbum ao alternar andamentos, embutindo sutis toques de música nordestina nas passagens mais leves que contrastam com o peso dado aos versos em que o vocalista tenta calar a personagem falastrona que, afinal, nada diz. Novidade do disco, Cadáver sobre cadáver é parceria de Miklos com o titã desertor Arnaldo Antunes, autor dos versos que discorrem sobre o ciclo incessante da morte, as naturais e as provocadas na selva das cidades. "Quem vive sobrevive", sentencia o verso-refrão da música sagazmente alocada no disco ao lado da única oportuna regravação, Canalha. Do repertório de Walter Franco, Canalha é música apresentada pelo cantor e compositor paulista em 1979 em festival da extinta TV Tupi e registrada pelo autor no seu quarto álbum, Vela aberta (Epic / CBS, 1980). Com arranjo que valoriza seus versos incisivos, o tema de Franco se harmoniza com Cadáver sobre cadáver porque também pode ser entendido como uma música sobre a incessante dor canalha do luto. Como produtor escaldado na feitura de discos de rock pesado, Rafael Ramos acerta ao abrir mão por vezes do tom hard - o que poderia ter deixado o disco linear. Nheengatu tem variações, embora seja essencialmente um disco com pegada, visceral, marcado pelas proeminentes guitarras de Bellotto e Miklos. O peso cai muito bem sobre Fardado (Sergio Britto e Paulo Miklos) rock de moldura punk que questiona o papel da polícia. "Você também é explorado / Fardado", grita o refrão. Tema que perfila na primeira pessoa faminto usuário paulistano de crack viciado também em ódio e vingança contra seus opressores, Mensageiro da desgraça (Paulo Miklos, Tony Bellotto e Sergio Britto) evidencia a marcação cerrada da bateria de Mario Fabre, músico convidado, presente em todo o disco. Com foco mais aberto, República dos bananas (Branco Mello, Angeli, Hugo Possolo e Emerson Villani) esboça retratos em série de bundas e caras de um país enfocado sem ufanismo em Chegada ao Brasil (Terra à vista) (Branco Mello, Aderbal Freire Filho e Emerson Villani), retrato nada romântico da terra da cachaça, da raça e da trapaça. Nessa babel de sentimentos nada nobres, os versos do ska hardcore Eu me sinto bem (Paulo Miklos, Sergio Britto e Tony Bellotto) até parecem exalar certo cinismo e anestésica alienação com o estado natural das coisas num país que esconde debaixo do tapete o abuso infantil, assunto espinhoso de Pedofilia (Sergio Britto, Paulo Miklos e Tony Bellotto), tema escrito sob ótica da vítima que cospe nojo do agressor em versos sombrios. Com visão particular do relacionamento a dois, Flores pra ela (Sergio Britto e Mario Fabre) desabrocha a enraizada cultura machista que ainda oprime a mulher. No tom hard roqueiro que sustenta Nheengatu, Não pode (Sergio Britto) questiona autoridades e proibições arbitrárias entre breve caída na cadência do samba. Já Senhor (Tony Bellotto) reza pela cartilha punk que denuncia opressões e abusos cometidos em nome de Deus enquanto Baião de dois (Paulo Miklos) é rock que recusa flertes óbvios com a música nordestina enquanto Miklos canta letra que cita versos de músicas de autoria de Cartola (1908 - 1980), João Gilberto e Noel Rosa (1910 - 1937). No fim, retomando a virulência de Nheengatu, Quem são os animais? (Sérgio Britto) parte em defesa das diferenças sexuais e raciais com versos ("Te chamam de macaco / E inventam o teu pecado") extremamente atuais e afinados com o caos social de república de bananas que parece sem pulso. Mas o pulso ainda pulsa e os Titãs o retomam neste álbum cheio de energia (e atitude) que expõe as vísceras fedorentas deste país de banguelas.

8 comentários:

  1. Jesus continua banguela na república dos bananas. Em seu 18º álbum, Nheengatu, os Titãs recuperam o peso e a energia ao perfilar a babilônia brasileira. Lançado esta semana pela gravadora Som Livre, o disco expõe visão crítica do país e seus habitantes em leque temático que se conecta com a virulência de Cabeça dinossauro (Warner Music, 1986) e Jesus não tem dentes no país dos banguelas (Warner Music, 1987). Mesmo sem se impor como obra-prima no confronto com esses dois álbuns clássicos da discografia dos Titãs, Nheengatu tem vigor e uma acidez que corrói a má impressão deixada pelo último álbum de estúdio do grupo (já reduzido a um quarteto formado por Branco Mello, Paulo Miklos, Sergio Britto e Tony Bellotto). Se a banda chegou a soar eventualmente como NX Zero no artificial Sacos plásticos (Arsenal Music / Universal Music, 2009), disco de triste memória empacotado pelo produtor Rick Bonadio, Nheengatu faz os Titãs voltarem a ser Titãs na pegada roqueira do produtor Rafael Ramos. Provável efeito da revisita ao álbum Cabeça dinossauro em 2012, a conexão com o passado glorioso já tinha sido testada com êxito no show Inédito (2013), no qual o grupo apresentou dez das 13 inéditas registradas em Nheengatu. Musicalmente, o show é mais pesado. Mas o disco concilia o peso do rock com nuances nos arranjos. Fala, Renata (Tony Bellotto, Paulo Miklos e Sergio Britto) cresce no álbum ao alternar andamentos, embutindo sutis toques de música nordestina nas passagens mais leves que contrastam com o peso dado aos versos em que o vocalista tenta calar a personagem falastrona que, afinal, nada diz. Novidade do disco, Cadáver sobre cadáver é parceria de Miklos com o titã desertor Arnaldo Antunes, autor dos versos que discorrem sobre o ciclo incessante da morte, as naturais e as provocadas na selva das cidades. "Quem vive sobrevive", sentencia o verso-refrão da música sagazmente alocada no disco ao lado da única oportuna regravação, Canalha. Do repertório de Walter Franco, Canalha é música apresentada pelo cantor e compositor paulista em 1979 em festival da extinta TV Tupi e registrada pelo autor no seu quarto álbum, Vela aberta (Epic / CBS, 1980). Com arranjo que valoriza seus versos incisivos, o tema de Franco se harmoniza com Cadáver sobre cadáver porque também pode ser entendido como uma música sobre a incessante dor canalha do luto. Como produtor escaldado na feitura de discos de rock pesado, Rafael Ramos acerta ao abrir mão por vezes do tom hard - o que poderia ter deixado o disco linear. Nheengatu tem variações, embora seja essencialmente um disco com pegada, visceral, marcado pelas proeminentes guitarras de Bellotto e Miklos.

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  2. O peso cai muito bem sobre Fardado (Sergio Britto e Paulo Miklos) rock de moldura punk que questiona o papel da polícia. "Você também é explorado / Fardado", grita o refrão. Tema que perfila na primeira pessoa faminto usuário paulistano de crack viciado também em ódio e vingança contra seus opressores, Mensageiro da desgraça (Paulo Miklos, Tony Bellotto e Sergio Britto) evidencia a marcação cerrada da bateria de Mario Fabre, músico convidado, presente em todo o disco. Com foco mais aberto, República dos bananas (Branco Mello, Angeli, Hugo Possolo e Emerson Villani) esboça retratos em série de bundas e caras de um país enfocado sem ufanismo em Chegada ao Brasil (Terra à vista) (Branco Mello, Aderbal Freire Filho e Emerson Villani), retrato nada romântico da terra da cachaça, da raça e da trapaça. Nessa babel de sentimentos nada nobres, os versos do ska hardcore Eu me sinto bem (Paulo Miklos, Sergio Britto e Tony Bellotto) até parecem exalar certo cinismo e anestésica alienação com o estado natural das coisas num país que esconde debaixo do tapete o abuso infantil, assunto espinhoso de Pedofilia (Sergio Britto, Paulo Miklos e Tony Bellotto), tema escrito sob ótica da vítima que cospe nojo do agressor em versos sombrios. Com visão particular do relacionamento a dois, Flores pra ela (Sergio Britto e Mario Fabre) desabrocha a enraizada cultura machista que ainda oprime a mulher. No tom hard roqueiro que sustenta Nheengatu, Não pode (Sergio Britto) questiona autoridades e proibições arbitrárias entre breve caída na cadência do samba. Já Senhor (Tony Bellotto) reza pela cartilha punk que denuncia opressões e abusos cometidos em nome de Deus enquanto Baião de dois (Paulo Miklos) é rock que recusa flertes óbvios com a música nordestina enquanto Miklos canta letra que cita versos de músicas de autoria de Cartola (1908 - 1980), João Gilberto e Noel Rosa (1910 - 1937). No fim, retomando a virulência de Nheengatu, Quem são os animais? (Sérgio Britto) parte em defesa das diferenças sexuais e raciais com versos ("Te chamam de macaco / E inventam o teu pecado") extremamente atuais e afinados com o caos social de república de bananas que já parece perder o pulso, retomado pelos Titãs neste álbum cheio de energia e atitude que expõe as vísceras do país de banguelas.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. A sonoridade me lembrou discos como Tudo ao mesmo tempo agora e Titanomaquia, mas sem ser escatológico como o Tudo ao mesmo tempo ou nonsense como o Titanomaquia.Claro, O Cabeça e o Jesus continuam imbatíveis. Mas, até que enfim, Titãs soando como Titãs de novo. O pulso ainda pulsa.

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  5. Titãs rock e Nação Zumbi pop.
    Trocaram os discos. rsrsrrs

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  6. Grata surpresa eu tive ao escutar esse novo disco dos Titãs e ver tratar-se de um ótimo produto. Este disco deverá por fim a pecha de ´baladeiros e comerciais demais´que seus fãs mais antigos estavam imputando ao quarteto.Não que este disco pretenda(e vá conseguir)superar os seminais ´Cabeça Dinossauro´, ´Jesus Não Tem Dentes...´e Ó Blesq Blom´compostos enquanto o grupo ainda era um octeto produzido pelo genial Liminha. Certamente a produção de Rafael Ramos, que no passado foi baterista de uma banda chamada Baba Cósmica(alguém se lembra?) , banda de besteirol nos moldes dos Mamonas Assassinas, caiu como uma luva para este novo punhado de ótimas canções lançadas pelo grupo que outrora eram descritos como os Reis do Barulho. Ao enfileirar músicas como ´Fardado´, ´Pedofilia´e ´ Fala Renata´os Titãs mostram que o pulso ainda pode pulsar por mais muito tempo. Vida longa aos Titãs!

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  7. Muito bom o disco. Coeso, como um disco deve ser nos tempos atuais.

    Uma coisa que me chamou atenção foi a participação do Branco Mello. Ele não aparece em nenhuma composição com os demais titãs.

    E faltou uma música que eles tocavam chamada Tradição.

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  8. A turnê revival do Cabeça Dinossauro fez um bem danado ao futuro da banda.

    Acho que não só isso, mas também as turnês "Futuras Instalações" e "Titãs Inédito" foi primordial, pois eles apresentaram uma série de músicas ao seu publico e a crítica, dando a percepção dos caras para separar o joio do trigo.

    No final das contas, ganhou os caras da banda e o seu público, que desde a metade da década de 90 aguardava um disco dos caras com uma pegada assim.

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