sábado, 19 de maio de 2012

Aos 40 anos, a conexão pop Londres-Brasil de 'Transa' conserva frescor

Resenha de reedição de CD
Título: Transa
Artista: Caetano Veloso
Gravadora da edição original de 1972: Philips
Gravadora da reedição de 2012: Universal Music
Cotação: * * * * 1/2

Transa é um dos discos mais cultuados de Caetano Veloso, sobretudo pelo público que curte a recente imersão do cantor e compositor brasileiro no indie rock, feita a partir do superestimado (2006). Tanto que, dentro das comemorações dos 70 anos do artista, a Universal Music apresenta ao mercado fonográfico brasileiro oportuna reeedição de Transa, primorosamente remasterizada por Steve Rooke no estúdio Abbey Road, em Londres, cidade que gerou o LP produzido pelo inglês Ralph Mace e lançado no Brasil em 1972 na volta de Caetano de seu forçado exílio político. O álbum retorna ao catálogo nos formatos de CD e vinil. Em ambas as modalidades, a reedição recupera o projeto gráfico original do ator e diretor baiano Álvaro Guimarães, criador do discobjeto, evidentemente melhor apreciado na forma de LP. De todo modo, ouvido 40 anos depois e analisado em perspectiva, Transa justifica o culto porque sua conexão pop Brasil-Londres conserva frescor. Como , Transa não apresenta a melhor coleção de canções de Caetano Veloso. Com afetivos vocais de Gal Costa, Neolithic Man (Caetano Veloso) - por exemplo - passa longe das criações mais inspiradas do compositor. A força de Transa reside na sonoridade - no caso, urdida por Jards Macalé, arranjador e diretor musical do show. Menos interiorizado do que o tristonho primeiro álbum londrino do artista (Caetano Veloso, 1971), Transa está impregnado de brasilidade, exposta com orgulho já nos trechos em português de You Don't Know me (Caetano Veloso), música em inglês que abre o álbum, na qual Gal Costa cita Saudosismo (Caetano Veloso, 1968), expressando uma saudade do Brasil, latente no disco. Mas Transa jamais pode ser visto como um disco brasileiro feito em Londres. A brasilidade do álbum - explícita em Triste Bahia (Gregório de Mattos e Caetano Veloso), faixa embebida em baianidade nagô que agrega elementos de samba de roda e capoeira - é filtrada por ótica pop, mais globalizada. Fruto dos ares libertários da Tropicália, movimento que Caetano arquitetara com Gilberto Gil (companheiro de exílio e de revoluções estéticas), Transa se beneficiou dessa quebra de fronteiras musicais para conectar Luiz Gonzaga (1912 - 1989) aos Beatles ou, em última instância, o Brasil ao mundo, ao universo pop. Tal conexão deu fôlego ao artista saudoso de sua terra. "I'm alive", suspira o astro sobrevivente ao narrar em Nine Out of Ten (Caetano Veloso) a descoberta do reggae em Portobello Road (rua do bairro londrino de Notting Hill). Nine Out of Ten não é um reggae, mas em alguns compassos reproduz a levada do ritmo jamaicano numa época em que nenhum artista brasileiro tinha se banhado nessa praia. Transa é disco hábil na costura de referências musicais. It's a Long Way (Caetano Veloso) cita Consolação (Baden Powel e Vinicius de Moraes, 1964). A releitura de Mora na Filosofia (Arnaldo Passos e Monsueto Menezes) é a lembrança nada ortodoxa do samba da pátria amada. Ao fim, Nostalgia (That's What Rock'n'Roll Is All About) traz a gaita de Ângela RoRo - em sua primeira aparição em disco - com som que remete brevemente ao universo musical de Bob Dylan. Enfim, Transa conectou Caetano Veloso ao mundo - com saudade do Brasil, mas com doses iguais de esperança e melancolia. É  álbum clássico que, após 40 anos, tem sua força reiterada nesta bela reedição.

15 comentários:

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  2. Antológico! uma obra prima de Caetano sem dúvida.

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  3. De feto, é um dos 5 melhores discos do Caê. "You don't know me" chega a arrepiar de tão bonita.

    Uma correção: a citação que o artista faz em "It's a long way" (igualmente ótima) é a de "Consolação", também de Baden e Vinícius.

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  4. De Mattos, creditado como co-autor de 'Triste Bahia', é o poeta baiano Gregório de Matos, que se celebrizou pelos poemas que criticavam o governo colonial. Caetano musicou um deles para este disco.

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  5. Uéee, eu tenho uma versão desse disco, em cd, tão caprichadinha como essa - remasterizada no estúdio dos Beatles, protejo gráfico...
    Comprei há uns 3/4 anos.
    Quanto ao disco, é mesmo supimpa!
    Agora, o anterior de Mano Caetano - o que ele está na capa com casaco de pele - é tão bom quanto e bem menos incensado.

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  6. Grato, Músico Misterioso, você tem razão. Abs, MauroF

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  7. Zé Henrique, a última reedição de Transa - lançada em 2006 - é de fato muito caprichada. Mas não foi remasterizada em Londres, foi (bem) remasterizada por Ricardo Garcia no Brasil. São reedições similares no capricho, mas a remasterização é outra. Abs, MauroF

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  8. Sim, Fábio, segui na resenha o crédito da ficha técnica. Mas, não deixar dúvidas de quem se trata, acrescentei o 'Gregório' ao texto. Abs, MauroF

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  9. Mauro, Saudosismo é de 1968 - lançada por Gal em compacto (pouco antes de Caetano, que também lançou em compacto no mesmo ano).

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  10. Eita, verdade, Mauro. Dei uma olhada no encarte. Tinha certeza que era em London London.
    Foi mal a informação errada.
    Mas, enfim, como vc mesmo atesta é uma belíssima edição. Não preciso gastar minha graninha nessa nova.

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  11. À parte as falhas técnicas, a resenha é perfeita do ponto de vista sócio-musical.
    Transa é um disco maravilhoso, me apaixonei por ele em 1996, muuuuuuito antes do chato Cê.

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  12. O Cê é bom, sim. Pelo som e tb pela guinada esperta(como sempre) dada por Mano Caetano.

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  13. E o pior é que concordo com o Zé Henrique.

    -Transa é ótimo.
    -O anterior é tanto quanto.
    -Cê é muito bom.

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  14. Mauro,

    Em "You don´t know me", trechos em Português também citam "Maria Moita", de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes ("Nasci lá na Bahia/De mucama com feitor...") e "Reza" (de Edu Lobo e Ruy Guerra). Em "It´s a Long Way", ouve-se trecho de "Sodade, Meu Bem, Sodade", de Zé do Norte, e "Lendas do Abaeté", de Dorival Caymmi. Tenho o álbum em vinil na reedição com capa simples, mas essas informações não aparecem em lugar algum do disco: considero isso um erro gravíssimo, pois o ouvinte mediano, em geral, pensar que os trechos são de autoria do próprio Caetano. Esse (mau) hábito dele de citar sem creditar pode ser chamado, tranquilamente, de plágio ou apropriação indevida de obra alheia.

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