Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


quarta-feira, 22 de julho de 2015

Série revira o lado independente do disco de 'gente louca que ama a música'

Resenha de série de TV
Título: O outro lado do disco
Produção e direção: Rodrigo Lariú
Emissora: Canal Brasil
Cotação: * * * * 
Série em exibição no Canal Brasil aos domingos, às 21h30m, de 5 a 26 de julho de 2015

"É empresa de gente louca que ama a música". Feita pelo produtor Carlos Eduardo Miranda no ainda inédito quarto e último episódio da série de TV O outro lado do disco, exibida pelo Canal Brasil nas noites de domingo deste mês de julho de 2015, a conceituação de gravadora independente expõe o romantismo que ainda pauta a ala alternativa do mercado fonográfico brasileiro. Produzida e dirigida por Rodrigo Lariú, dono do selo Midsummer Madness, a série enfatiza o caráter idealista deste lado indie do disco ao longo de seu quatro fluentes episódios. Mas traça com precisão a evolução desse mercado a partir do fim dos anos 1970, quando gravar um disco era missão impossível para quem não passava pela porta das grandes gravadoras. "O sonho de um garoto da periferia era gravar um disco e dizer 'eu existo' '', sintetiza Kid Vinil no primeiro episódio, que parte da pioneira aventura do pianista carioca Antonio Adolfo - que gravou, fabricou e distribuiu por conta própria em 1977 o álbum sintomaticamente intitulado Feito em casa - para mostrar como o mercado fonográfico independente brasileiro começou a se estruturar. Embora omita a bem-sucedida ação indie do quarteto carioca Boca Livre, que atingiu o público em 1979 com a edição independente de seu primeiro álbum (o que tem os hits Toada e Quem tem a viola, propagados em novelas exibidas pela TV Globo em 1980), o primeiro episódio lembra a criação em 1977 da Kuarup - gravadora de elenco regionalista - e a revolução estética promovida na cidade de São Paulo (SP) na primeira metade dos anos 1980 com a criação do selo Lira Paulistana, derivado do teatro homônimo. Foi em São Paulo que a ainda resistente Baratos Afins -  loja que virou selo sob o comando de Luis Calanca - entrou em cena para alavancar a galera e a galeria do rock alternativo. Em seu depoimento, Calanca destila certa nostalgia daquela época. Talvez porque, a partir dos anos 1990, o mercado fonográfico tenha ficado menos romântico. É a década - como mostra o segundo episódio - em que os diretores de marketing passaram a comandar as multinacionais do disco, investindo pesado em gêneros massivos como axé music, pagode e sertanejo. Mas é a época também em que os selos independentes passaram a servir de laboratório para as grandes gravadoras, cegas diante do surgimento desses novos artistas. É quando entram em cena os selos Rockit! (aberto em 1992 por Dado Villa-Lobos, músico da banda Legião Urbana), Banguela Records (criado em 1993 por Carlos Eduardo Miranda) e Excelente Discos (surgido em 1995). Nesse ponto, O outro lado do disco revira as mazelas da indústria fonográfica multinacional sob a ótica exclusiva dos criadores independentes. "Virou um grande supermercado", compara Mayrton Bahia, criador da Radical Records. O diretor não dá voz ao outro lado da indústria e tampouco aos artistas que viveram a experiência de estar em um selo independente. Basicamente, a série alterna depoimentos dos donos de selos com trechos de clipes de seus artistas. Faltou uma análise mais crítica da atuação efetiva desses selos por quem usou seus serviços. "Transformar a paixão em negócio e no seu ganha-pão é que é o x da questão", ressalta um dos sócios da Monstro Discos, gravadora indie de Goiânia (GO), encerrando o segundo episódio com nova dose de romantismo. Assunto recorrente do terceiro episódio, a pirataria física de CDs  não impede a expansão de gravadoras independentes surgidas nos últimos anos de luxo da indústria fonográfica, casos da Deck e da Trama, ambas criadas em 1998. Investindo em produtos de massa, como discos do grupo de forró Falamansa e do grupo de pagode Revelação, a Deck chegou a abocanhar 4,7% do mercado fonográfico brasileiro em seus tempos áureos. Mercado que foi ficando cada vez mais segmentado, permitindo que uma gravadora nordestina dedicada ao forró atuasse fora dos padrões convencionais, chegando a deter 8,4% do mercado em sua melhor fase, caso da SomZoom, aberta em 1992 para lançar discos da banda Mastruz com Leite. "Percebi que um selo podia atuar em nichos", conta Léo Esteves, diretor executivo da Coqueiro Verde Records, gravadora criada em 2006. Nichos que podem existir exclusivamente no mundo digital da web. A revolução do download e do streaming são assuntos abordados no quarto episódio, de tom mais crítico. "Um lugar onde todo mundo está ao mesmo tempo não é um espaço de divulgação", acredita Pena Schmidt, ao se referir às plataformas digitais como o iTunes e Spotify. "Hoje o artista é teu sócio", sintetiza Thomas Roth, apontando o modelo que vigora no mercado fonográfico independente, em que artistas fazem parcerias como selos e empresas para distribuir seus discos e alavancar suas carreiras. Paralelamente, o último episódio d'O outro lado do disco mostra que, enquanto o futuro arromba a porta, há muita gente cultuando o passado fonográfico. O que permite a sobrevivência de um selo como o carioca Discobertas, dedicado pelo pesquisador Marcelo Fróes aos relançamentos de discos raros. Para essa gente louca que ama a música, o disco tem muitos lados. A série de Rodrigo Lariú historia somente um deles - e o faz com a paixão que toca o mercado independente.

2 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ "É empresa de gente louca que ama a música". Feita pelo produtor Carlos Eduardo Miranda no ainda inédito quarto e último episódio da série de TV O outro lado do disco, exibida pelo Canal Brasil nas noites de domingo deste mês de julho de 2015, a conceituação de gravadora independente expõe o romantismo que ainda pauta a ala alternativa do mercado fonográfico brasileiro. Produzida e dirigida por Rodrigo Lariú, dono do selo Midsummer Madness, a série enfatiza o caráter idealista deste lado indie do disco ao longo de seu quatro fluentes episódios. Mas traça com precisão a evolução desse mercado a partir do fim dos anos 1970, quando gravar um disco era missão impossível para quem não passava pela porta das grandes gravadoras. "O sonho de um garoto da periferia era gravar um disco e dizer 'eu existo' '', sintetiza Kid Vinil no primeiro episódio, que parte da pioneira aventura do pianista carioca Antonio Adolfo - que gravou, fabricou e distribuiu por conta própria em 1977 o álbum sintomaticamente intitulado Feito em casa - para mostrar como o mercado fonográfico independente brasileiro começou a se estruturar. Embora omita a bem-sucedida ação indie do quarteto carioca Boca Livre, que atingiu o público em 1979 com a edição independente de seu primeiro álbum (o que tem os hits Toada e Quem tem a viola, propagados em novelas exibidas pela TV Globo em 1980), o primeiro episódio lembra a criação em 1977 da Kuarup - gravadora de elenco regionalista - e a revolução estética promovida na cidade de São Paulo (SP) na primeira metade dos anos 1980 com a criação do selo Lira Paulistana, derivado do teatro homônimo. Foi em São Paulo que a ainda resistente Baratos Afins - loja que virou selo sob o comando de Luis Calanca - entrou em cena para alavancar a galera e a galeria do rock alternativo. Em seu depoimento, Calanca destila certa nostalgia daquela época. Talvez porque, a partir dos anos 1990, o mercado fonográfico tenha ficado menos romântico. É a década - como mostra o segundo episódio - em que os diretores de marketing passaram a comandar as multinacionais do disco, investindo pesado em gêneros massivos como axé music, pagode e sertanejo. Mas é a época também em que os selos independentes passaram a servir de laboratório para as grandes gravadoras, cegas diante do surgimento desses novos artistas. É quando entram em cena os selos Rockit! (aberto em 1992 por Dado Villa-Lobos, músico da banda Legião Urbana), Banguela Records (criado em 1993 por Carlos Eduardo Miranda) e Excelente Discos (surgido em 1995). Nesse ponto, O outro lado do disco revira as mazelas da indústria fonográfica multinacional sob a ótica exclusiva dos criadores independentes. "Virou um grande supermercado", compara Mayrton Bahia, criador da Radical Records. O diretor não dá voz ao outro lado da indústria e tampouco aos artistas que viveram a experiência de estar em um selo independente. Basicamente, a série alterna depoimentos dos donos de selos com trechos de clipes de seus artistas. Faltou uma análise mais crítica da atuação efetiva desses selos por quem usou seus serviços. "Transformar a paixão em negócio e no seu ganha-pão é que é o x da questão", ressalta um dos sócios da Monstro Discos, gravadora indie de Goiânia (GO), encerrando o segundo episódio com nova dose de romantismo.

Mauro Ferreira disse...

Assunto recorrente do terceiro episódio, a pirataria física de CDs não impede a expansão de gravadoras independentes surgidas nos últimos anos de luxo da indústria fonográfica, casos da Deck e da Trama, ambas criadas em 1998. Investindo em produtos de massa, como discos do grupo de forró Falamansa e do grupo de pagode Revelação, a Deck chegou a abocanhar 4,7% do mercado fonográfico brasileiro em seus tempos áureos. Mercado que foi ficando cada vez mais segmentado, permitindo que uma gravadora nordestina dedicada ao forró atuasse fora dos padrões convencionais, chegando a deter 8,4% do mercado em sua melhor fase, caso da SomZoom, aberta em 1992 para lançar discos da banda Mastruz com Leite. "Percebi que um selo podia atuar em nichos", conta Léo Esteves, diretor executivo da Coqueiro Verde Records, gravadora criada em 2006. Nichos que podem existir exclusivamente no mundo digital da web. A revolução do download e do streaming são assuntos abordados no quarto episódio, de tom mais crítico. "Um lugar onde todo mundo está ao mesmo tempo não é um espaço de divulgação", acredita Pena Schmidt, ao se referir às plataformas digitais como o iTunes e Spotify. "Hoje o artista é teu sócio", sintetiza Thomas Roth, apontando o modelo que vigora no mercado fonográfico independente, em que artistas fazem parcerias como selos e empresas para distribuir seus discos e alavancar suas carreiras. Paralelamente, o último episódio d'O outro lado do disco mostra que, enquanto o futuro arromba a porta, há muita gente cultuando o passado fonográfico. O que permite a sobrevivência de um selo como o carioca Discobertas, dedicado pelo pesquisador Marcelo Fróes aos relançamentos de discos raros. Para essa gente louca que ama a música, o disco tem muitos lados. A série de Rodrigo Lariú historia somente um deles - e o faz com a paixão que toca o mercado independente.